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Abertura

O futuro do planeta passa pela Amazônia

Em novembro, o Brasil sediará a COP30, conferência global para discutir a redução de emissões, adaptação, financiamento climático, transição energética e justiça climática. Realizada na Amazônia, a conferência ocorre em um momento em que as emissões globais seguem em alta e a floresta pode estar se aproximando de um ponto de não-retorno climático

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Sobre

Para o Brasil, a COP30 representa uma oportunidade de retomar o protagonismo internacional nas questões climáticas e de mostrar avanços em energia limpa, agricultura sustentável e no combate ao desmatamento, articulando ciência, inclusão social e novos modelos de desenvolvimento

Os olhos do mundo se voltarão para Belém em novembro, quando, pela primeira vez, o Brasil sediará a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. É a COP30, que reunirá representantes de cerca de 200 países – se as diárias dos hotéis permitirem – para discutir como conter o aquecimento global, enfrentar impactos sociais e econômicos da crise climática e preservar ecossistemas fundamentais para o equilíbrio do planeta.


A realização da COP30 na Amazônia não é apenas simbólica, mas estratégica e necessária. A região abriga uma das maiores biodiversidades do mundo, regula o regime de chuvas em vastas áreas da América do Sul e armazena dezenas de bilhões de toneladas de carbono. Entretanto, cientistas estimam que a Floresta Amazônica possa estar se aproximando perigosamente de um ponto de não-retorno (tipping point), em que a degradação se tornaria irreversível, provocando o colapso do bioma. O risco de que a floresta tropical se converta em uma savana empobrecida exige respostas rápidas e coordenadas.


A COP30 se concentrará em grandes eixos temáticos: redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; transição energética por meio de tecnologias limpas e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e da biodiversidade; justiça climática e impactos sociais das mudanças climáticas.


A conferência em Belém representa uma oportunidade histórica para o Brasil retomar um papel de liderança nas negociações climáticas. O país tem longa tradição em fóruns multilaterais: sediou a ECO-92, marco da diplomacia ambiental global, e a Rio+20, que consolidou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Agora, volta ao centro do palco internacional em um momento decisivo, no qual será cobrado não apenas por articulação política, mas por ações concretas.


A COP30 permitirá ao Brasil demonstrar avanços importantes em áreas como energia renovável, biocombustíveis, agricultura de baixo carbono e combate ao desmatamento. Dados recentes mostram uma queda significativa na taxa de desmatamento da Amazônia e o país tem se destacado na geração de energia limpa: mais de 85% da matriz elétrica brasileira é composta por fontes renováveis.


Apesar de avanços no Brasil e em outros países, o cenário global continua  preocupante. Logo na primeira COP, realizada em Berlim em 1995, foi reconhecido que medidas eficientes eram necessárias para combater as mudanças climáticas. Trinta anos depois, mesmo com conquistas como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris, o cenário não mudou como se esperava. Isso apesar de há décadas os cientistas alertarem para a importância fundamental de substituir ou reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis para que a emissão de dióxido de carbono (CO2) possa cair, diminuindo o aquecimento global. 


“A temperatura global aumentou 0,2 °C entre meados da década de 1960 e 1980, resultando em um aquecimento de 0,4 °C no último século. Esse aumento é consistente com o efeito estufa calculado a partir da elevação medida do dióxido de carbono atmosférico. O aquecimento causado pelo CO₂ de origem humana deve se destacar da variabilidade natural até o fim do século. Efeitos potenciais no clima do século 21 incluem a criação de regiões propensas à seca na América do Norte e na Ásia Central, como parte do deslocamento das zonas climáticas, a erosão da camada de gelo da Antártica Ocidental com consequente elevação global do nível do mar e a abertura da lendária Passagem Noroeste”, escreveram James Hansen e colegas em um artigo publicado em 1981. Ou seja, há 44 anos a ciência já destacava, com evidências claras, a questão das mudanças climáticas e sua gravidade. 


Quatro décadas depois, com 29 COPs, centenas de outros artigos e milhares de notícias sobre o problema produzidos desde então, a emissão não caiu. Pior: continua aumentando ano a ano. Segundo dados do Global Energy Review, da Agência Internacional de Energia, em 2024 as emissões globais de CO2 por queima de combustíveis aumentaram 0,8% em relação ao ano anterior, atingindo um recorde de 37,8 bilhões de toneladas. Esse aumento contribuiu para que as concentrações atmosféricas de CO₂ atingissem outro recorde, de 422,5 partes por milhão (ppm) em 2024 — cerca de 3 ppm a mais do que em 2023 e 50% acima dos níveis pré-industriais. A cada ano, novos recordes são batidos e o gráfico da emissão continua ascendente. 


As consequências das mudanças climáticas são claras e estão em todos os lugares: ondas de calor intensas, secas prolongadas, derretimento de calotas polares, inundações e incêndios cada vez mais frequentes e destrutivos. No Brasil, o ano de 2024 foi marcado por enchentes devastadoras no Sul e secas severas na Amazônia, evidenciando a vulnerabilidade do país aos extremos climáticos. Esses eventos não são exceções, mas sinais de uma nova realidade que exige preparo, adaptação e resiliência.


Percepção pública


A adaptação às mudanças climáticas será um dos temas centrais da COP30, incluindo a construção de infraestruturas mais resilientes, políticas públicas de prevenção a desastres, planejamento urbano sustentável e apoio técnico e financeiro aos países e populações mais afetadas. Entretanto, apesar das consequências de eventos extremos cada vez mais frequentes, as mudanças climáticas continuam não sendo tratadas como um tema urgente.


Em pleno ano de 2025, boa parte da população mundial ainda não se preocupa ou nem mesmo acredita que as mudanças climáticas são reais. Um estudo feito na Escola de Relações Internacionais da FGV em 2024 verificou que, na sociedade brasileira, há “forte consenso em relação às crenças segundo as quais a mudança do clima existe e é causada por humanos”. No entanto, 44% dos entrevistados expressaram ceticismo a respeito da severidade da crise climática, duvidando que a mudança do clima tenha efeito negativo intenso sobre a sua vida. Em outro levantamento, feito pelo DataFolha, 77% dos entrevistados, de 130 municípios brasileiros, concordaram que as mudanças climáticas são causadas principalmente pelas ações humanas, mas 20% defenderam que a causa é a oscilação natural da temperatura. 


A percepção pública é muito afetada pela desinformação e pela posição de líderes políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro, para quem “mudança climática é coisa de ativistas que gritam”. Nos Estados Unidos, o tema se tornou bandeira política, mais um a dividir radicalmente democratas e republicanos. Levantamentos feitos pelo Pew Research Center mostram que apenas 12% da população que se considera republicana ou com tendências republicanas acham que lidar com as mudanças climáticas deveria ser uma prioridade da presidência e do congresso do país. Entre os democratas, são 59%, o que é bem mais, mas implica que 41% não concordam com a urgência do tema. 


Financiamento climático


Outro eixo fundamental da COP30 será o financiamento climático para países em desenvolvimento – que, historicamente, contribuíram pouco para as emissões globais e são justamente os mais vulneráveis aos seus efeitos. 


Financiamento climático é uma questão sem solução há anos. Na COP29, em Baku, o texto final da conferência previu US$ 300 bilhões anuais para financiar o combate às mudanças climáticas. O valor está longe de ser atingido mas já é considerado ultrapassado e insuficiente. Na reunião pré-COP, realizada em Bonn (Alemanha) em junho, o Brasil apresentou o “Roteiro de Baku a Belém”, com a meta de mobilizar pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano de financiamento internacional para o clima, provenientes tanto de fontes públicas quanto privadas. 


“Esse valor está alinhado com a estimativa apresentada pelo Relatório do Grupo de Especialistas de Alto Nível Independente da ONU sobre Financiamento Climático, publicado em novembro de 2024. O relatório estimou que os países em desenvolvimento precisarão de fontes externas de financiamento que alcancem US$ 1 trilhão até 2030, com um aumento posterior para US$ 1,3 trilhão até 2035”, destacou o documento. 


A proposta é ampliar o financiamento climático para os países em desenvolvimento, a fim de apoiar caminhos de desenvolvimento com baixas emissões de gases de efeito estufa e resilientes ao clima, e implementar as contribuições nacionalmente determinadas e os planos nacionais de adaptação, inclusive por meio de subsídios, instrumentos concessionais e não geradores de dívida. 


Assim como roteiros anteriores, em outras pré-COPs, o documento apresentado pela delegação brasileira em Bonn causou tensão nas discussões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Apesar da crescente mobilização internacional, o financiamento climático segue como um dos nós mais difíceis de desatar nas negociações entre países. As nações mais ricas relutam em ampliar seus compromissos, especialmente diante das incertezas sobre as fontes e os instrumentos de repasse dos recursos. Segundo a OCDE, somente em 2022 o total destinado para o financiamento climático pelos países desenvolvidos superou os US$ 100 bilhões anuais, montante acordado na COP15, em 2009. 


Parte do impasse reside na própria definição do que constitui financiamento climático. A falta de consenso sobre se devem ser incluídos empréstimos, investimentos privados, garantias ou apenas recursos não reembolsáveis contribui para a desconfiança entre as partes e dificulta a transparência nas estatísticas. Some-se a isso o fato de que o custo do capital nos países em desenvolvimento é elevado, e os riscos percebidos por investidores privados são altos, o que torna mais complexa a implementação de projetos de mitigação e adaptação em larga escala.


Na COP30, em Belém, o debate em torno da nova meta de financiamento climático de longo prazo deve ganhar protagonismo. Trata-se de uma oportunidade crucial para discutir não apenas o volume dos recursos necessários, mas também os instrumentos capazes de viabilizar fluxos estáveis e acessíveis para os países mais vulneráveis. Mais do que promessas, espera-se que os países avancem na construção de mecanismos que combinem justiça climática, previsibilidade e efetividade, permitindo que o financiamento climático cumpra seu papel na transformação dos modelos de desenvolvimento.


Transição energética justa


A expectativa é que a COP30 pressione os países desenvolvidos a reforçarem seus compromissos, inclusive com mecanismos novos e transparentes. Nesse contexto, cresce a importância da chamada transição energética justa – conceito promovido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e pela Organização Internacional do Trabalho, que articula as mudanças no sistema energético com a proteção de direitos sociais, geração de empregos dignos e inclusão de grupos historicamente marginalizados. 


“As preocupações ambientais e o caminho em direção ao desenvolvimento sustentável representam um desafio, mas também uma grande oportunidade para o setor empresarial. As empresas, juntamente com suas organizações representativas, precisam conciliar seus planos de crescimento de longo prazo com o desenvolvimento econômico sustentável e um meio ambiente saudável, além de antecipar políticas de transição eficazes que apoiem, de forma eficiente, a geração de novos empregos ou a adaptação dos processos produtivos existentes. A manutenção do modelo atual de negócios deixou de ser uma opção viável”, diz a OIT


A transição justa tem sido tema recorrente em pesquisas acadêmicas e relatórios de organizações internacionais como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que no Sexto Relatório de Avaliação enfatizou que a descarbonização da economia precisa estar vinculada a políticas que promovam inclusão e reduzam desigualdades. Segundo o IPCC, medidas que ignorem os contextos socioeconômicos locais correm o risco de gerar resistência política e social, dificultando a implementação de políticas climáticas em escala. 


Já a OIT estima que uma economia verde poderia gerar até 24 milhões de empregos globalmente até 2030, desde que políticas públicas garantam formação profissional, proteção trabalhista e transição ocupacional para os setores impactados.


Na Amazônia, iniciativas que aliam conservação florestal e bioeconomia apontam caminhos promissores para uma transição com raízes territoriais e respeito às populações tradicionais. A COP30 será uma vitrine estratégica para essas propostas e poderá marcar um ponto de virada no reconhecimento político e financeiro da transição justa como eixo central da agenda climática.


Caminhos possíveis


Embora os desafios sejam imensos, há motivos para otimismo. Em vários países, a substituição da matriz energética do petróleo por fontes renováveis já não parece mais miragem. A própria China, maior emissor de CO2, também lidera a expansão da energia solar, com mais de 40% da capacidade global instalada. No Brasil, além da queda no desmatamento, cresce o número de municípios investindo em geração descentralizada de energia solar e em práticas agrícolas regenerativas. A economia circular – baseada no reaproveitamento de materiais e na redução de resíduos – também ganha espaço como solução de baixo carbono para a indústria e as cidades.


A COP30 será um teste para a capacidade coletiva de transformar compromissos em ação. Para isso, deve reforçar a confiança no multilateralismo climático, estabelecer metas ambiciosas com base na ciência e promover um debate inclusivo, que considere os diferentes contextos e responsabilidades históricas.


Há também sinais de mudança no setor financeiro, com o avanço de fundos de investimento que adotam critérios ESG (ambientais, sociais e de governança) e a criação de mecanismos inovadores, como os créditos de carbono jurisdicionais e os mercados climáticos voluntários. A pressão por maior transparência e rastreabilidade nas cadeias de produção está levando empresas a adotar práticas mais sustentáveis, especialmente nos setores agropecuário e de commodities.


Cidades de diversos portes têm implementado planos de adaptação que combinam infraestrutura verde, recuperação de áreas degradadas e soluções baseadas na natureza, aumentando sua resiliência frente a eventos extremos. A educação climática também vem se fortalecendo, com jovens mais engajados e informados, capazes de influenciar políticas públicas e escolhas de consumo.


Além disso, o protagonismo de comunidades locais, povos indígenas e populações tradicionais na conservação de biomas críticos, como a Amazônia, representa um pilar essencial para soluções climáticas duradouras e justas. Sua integração em processos decisórios globais é cada vez mais reconhecida como fundamental para a eficácia das estratégias de mitigação e adaptação.

Se articuladas com seriedade e urgência, essas frentes abrem espaço para uma transição ecológica que preserve os sistemas de suporte à vida, promova justiça social e ofereça novas oportunidades econômicas. O futuro climático ainda está em aberto – e a janela de ação também. 







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Revista FCW Cultura Científica v. 3 n.3 Set - Dez 2025

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