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Entrevista

Suzana Kahn

Diretora da COPPE/UFRJ fala sobre os desafios da adaptação às mudanças climáticas, o papel do Brasil na transição energética e os impasses geopolíticos que cercam a COP30. Suzana defende que a equidade deve estar no centro das negociações climáticas, analisa os impasses da regulamentação do mercado de carbono e destaca as propostas que a COPPE pretende levar à conferência

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Sobre

Suzana Kahn é professora titular de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretora da COPPE/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia). É diretora do Centro China Brasil e coordenadora executiva do projeto Fundo Verde da UFRJ. Foi coordenadora líder e autora do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), do qual já foi vice-presidente.

Foi subsecretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro (2010 a 2013), secretária nacional de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental (2008 a 2010), vice-diretora da COPPE/UFRJ (2019 a 2023) e coordenadora da Pós Graduação Executiva em Petróleo e Gás - MBP/COPPE (1998 a 2020).

Atua como membro do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e dos conselhos do Museu do Amanhã e do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG). É membro do Comitê Técnico do Fundo Amazônia, conselheira de administração da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia - Brasil S/A (TBG), membro do Comitê de Responsabilidade Social e Sustentabilidade do Einstein, membro do Comitê Técnico da Carbonext e membro do Conselho Consultivo da Norte Energia.

Possui graduação em Engenharia Mecânica pela UFRJ (1981), mestrado em Programa de Planejamento Energético - COPPE/UFRJ (1988) e doutorado em Engenharia de Produção pela UFRJ (1995).

FCW Cultura Científica – Professora Suzana, estamos às vésperas da COP30, que será sediada pelo Brasil. Como a senhora avalia o momento atual do debate climático?

Suzana Kahn – Atualmente, discutir mudanças climáticas está cada vez mais complexo. Parte disso se deve a fatores externos, como a oscilação de posicionamento dos Estados Unidos, mas também a uma constatação interna: a transição energética e o desenvolvimento de baixo carbono são muito mais difíceis do que se imaginava. Não basta vontade política. As variáveis envolvidas são interdependentes, e isso torna a implementação de soluções ainda mais desafiadora.


No início dos debates climáticos, havia muita incerteza sobre a influência humana no aquecimento global. Hoje, isso está superado. A grande maioria reconhece que a emissão de gases de efeito estufa, especialmente o dióxido de carbono, provoca o aquecimento do planeta e seus impactos associados. Esse entendimento é resultado de um esforço coletivo – do IPCC, da comunidade científica, da comunicação – e hoje está amplamente disseminado.


O grande desafio agora é tornar as alternativas de desenvolvimento de baixo carbono competitivas. Isso nos leva à discussão sobre equidade e transição justa – temas de enorme complexidade. O mundo já é profundamente desigual, independentemente das questões climáticas. Quando adicionamos a variável ambiental, corremos o risco de acentuar ainda mais essas desigualdades.


FCW Cultura Científica – Quais são os principais desafios para uma transição justa e sustentável?

Suzana Kahn – Um primeiro desafio tem relação com o fato de que as novas tecnologias sustentáveis, em geral, são mais caras em um primeiro momento. Só se tornam acessíveis após ganharem escala e maturidade. Não podemos exigir que países ou regiões mais pobres arquem com esse custo. Portanto, a responsabilidade pelo investimento precisa recair sobre quem tem mais capacidade de financiar a transição.


Além disso, a realidade impõe limites. As fontes renováveis, por exemplo, ainda enfrentam o problema da intermitência, o que exige complementação com outras fontes. Ainda não temos substitutos viáveis para muitos derivados do petróleo, como os usados na petroquímica. E a exploração do petróleo continua sendo uma importante fonte de receita para estados produtores. Abrir mão disso não é trivial.


Estamos deixando de lado uma abordagem puramente científica e entrando no mundo real, onde as decisões envolvem trade-offs complexos e interesses diversos. Por isso, acredito que as políticas climáticas hoje deveriam enfatizar também mecanismos e instrumentos de adaptação. No passado, falar em adaptação parecia uma rendição – como se estivéssemos desistindo de mudar o modelo atual. Mas o cenário mudou. O aquecimento global já é uma realidade, e não estamos conseguindo mitigar as emissões no ritmo necessário. A adaptação precisa ganhar protagonismo: soluções de engenharia, tecnologias e políticas voltadas para proteger populações e territórios dos impactos já em curso são cada vez mais urgentes.


FCW Cultura Científica – Quando falamos em políticas de adaptação às mudanças climáticas, que exemplos ou caminhos possíveis você enxerga hoje? 

Suzana Kahn – A verdade é que, quando falamos em adaptação, estamos quase começando do zero. Historicamente, as COPs têm se concentrado em mitigação – ou seja, na redução das emissões de gases de efeito estufa. Os grandes acordos internacionais se voltam muito mais a isso. No entanto, adaptação é um tema que precisa de protagonismo maior, especialmente por parte dos chamados governos subnacionais – estados e municípios. Isso porque os impactos climáticos variam muito de acordo com a geografia. Uma região litorânea, por exemplo, enfrenta desafios diferentes de uma região de baixada ou de áreas áridas. Assim, políticas de adaptação precisam ser mais localizadas e menos centralizadas nas esferas nacionais.


FCW Cultura Científica – E como uma arena internacional como a COP pode contribuir para essas ações locais?

Suzana Kahn – As COPs têm um papel importante, principalmente na criação de mecanismos de financiamento e na promoção da transferência de tecnologias. Adaptar-se é caro – exige infraestrutura, ciência e planejamento – e a desigualdade entre países pesa muito nesse processo. Países mais ricos têm mais capacidade de resposta a eventos extremos. Contam com sistemas de saúde robustos, redes de alerta precoce, esquemas de resgate bem estruturados. Já países em desenvolvimento, muitas vezes, não têm essa estrutura. Veja o contraste: o mesmo evento climático pode causar danos muito menores na Holanda – que possui diques, canais e planejamento urbano – do que em Bangladesh, onde faltam essas defesas.


A diferença de impacto é enorme. Por isso, é fundamental que os países mais ricos contribuam para ampliar a capacidade de adaptação das nações mais vulneráveis. Seja com financiamento direto, seja com tecnologias acessíveis. Um exemplo concreto está na questão da água. Em regiões da África, por exemplo, o avanço da desertificação e a elevação das temperaturas afetam diretamente a agricultura. Será preciso investir em novas técnicas agrícolas, menos dependentes de água, ou em tecnologias de dessalinização, por exemplo. Essas são soluções que podem permitir uma convivência menos dramática com os efeitos das mudanças climáticas — mas que exigem cooperação e investimento internacional.


FCW Cultura Científica – Em países em desenvolvimento, como o Brasil, até que ponto a adaptação depende de apoio externo – como financiamento e tecnologias – e até que ponto ela pode (ou deve) ser enfrentada com recursos e capacidades nacionais?

Suzana Kahn – As tecnologias necessárias variam conforme o contexto geográfico e socioeconômico. No caso do Brasil, apesar de sermos um país vulnerável e profundamente desigual, acredito que não precisamos buscar financiamento internacional para adaptação, como ocorre com países muito pobres. Temos capacidade técnica e institucional para avançar, especialmente se investirmos em planejamento.


Nosso grande desafio não é exatamente tecnológico. É estrutural. Por exemplo, faltam políticas urbanas que impeçam ocupações em áreas de risco, e mecanismos de apoio para reassentar famílias de forma segura. Falta também cultura de prevenção. Em países como o Japão, desde pequenos, os cidadãos sabem como agir diante de desastres naturais. Aqui, não temos esse tipo de preparo — há muita desinformação e desorganização em situações de emergência. Isso não é uma questão de tecnologia, e sim de organização e planejamento.


FCW Cultura Científica – E no caso específico do Brasil, quais seriam as áreas prioritárias para investimento climático?

Suzana Kahn – O nosso calcanhar de Aquiles está no desmatamento, principalmente na Amazônia. Esse é o principal fator que compromete nossas metas climáticas. E o combate ao desmatamento não depende apenas de tecnologia – embora ela ajude com ferramentas como radares e sistemas de monitoramento. O que precisamos, antes de tudo, é de fiscalização eficiente, presença do Estado e alternativas econômicas para a população local.


Estamos lidando com atividades criminosas, como o garimpo ilegal, tráfico e grilagem de terras. É uma questão que envolve segurança pública. A Amazônia é gigantesca. Não dá para imaginar um fiscal atrás de cada árvore. Por isso, o desafio é monumental. Nesse contexto, o financiamento internacional pode, sim, ser útil – mas não para ações genéricas. Pode contribuir com o monitoramento, com a proteção da floresta e com incentivos a cadeias sustentáveis. Precisamos garantir que a floresta em pé seja mais valiosa do que derrubada. Isso exige soluções logísticas complexas: como fazer o açaí, a castanha ou outros produtos chegarem ao mercado nacional e internacional com escala e valor agregado? A logística na Amazônia é difícil, cara, e ainda pouco estruturada. Portanto, sim, o desafio é único. E exige uma abordagem integrada — que combine combate ao crime ambiental, infraestrutura, alternativas econômicas e cuidado com as populações que vivem na região.


FCW Cultura Científica – Na sua visão, quais devem ser as principais prioridades do Sul Global nas negociações da COP30? 

Suzana Kahn – Na minha visão, a melhor forma de enfrentar as adversidades climáticas – ou qualquer tipo de crise – é o desenvolvimento. Um país desenvolvido tem mais condições de responder a desastres, adaptar-se, proteger sua população e inovar. Por isso, acredito que o Sul Global deve focar fortemente em sua própria trajetória de desenvolvimento. E aqui estou falando de uma agenda ampla, que vai além da pauta climática: inclui comércio internacional, educação, ciência, tecnologia, capacitação profissional. Tudo isso contribui para dar aos países a “musculatura” necessária para lidar com os impactos das mudanças climáticas.


FCW Cultura Científica – Ou seja, fortalecer as bases do desenvolvimento é, em si, uma estratégia de adaptação?

Suzana Kahn – Exatamente. Investir em capital humano, em infraestrutura, em instituições sólidas permite que esses países enfrentem melhor qualquer crise – climática ou não. A busca pelo desenvolvimento econômico e humano deve ser o eixo central da agenda dos países do Sul Global. Só assim será possível aumentar a resiliência e ter voz ativa nas negociações internacionais.


FCW Cultura Científica – Um dos temas em discussão é a regulamentação do mercado de carbono no Brasil. Qual sua avaliação sobre esse processo?

Suzana Kahn – Acho difícil avançar de forma eficaz com um mercado de carbono regulado. O problema é a complexidade de estabelecer fronteiras claras: sempre há o risco do que chamamos de leakage, ou vazamento. Ou seja, ao limitar as emissões de um setor ou região, você pode estar apenas deslocando o problema para outra área. Vou dar um exemplo: quando discutimos a criação de um mercado de carbono no estado do Rio de Janeiro, havia o risco real de que empresas migrassem para estados vizinhos – como Espírito Santo, Minas Gerais ou São Paulo , onde não haveria a mesma regulação. O problema climático é global e coletivo. Se uma região reduz emissões mas outra aumenta, o impacto ambiental permanece.


O mesmo se aplica entre países. Se o Brasil avança no combate ao desmatamento, mas os países vizinhos ampliam a devastação, o esforço brasileiro perde força. Além disso, é extremamente difícil comprovar, com precisão, se determinada quantidade de carbono deixou de ser emitida. A contabilidade do carbono é cara, técnica e sujeita a muitas incertezas.


FCW Cultura Científica – Diante dessas limitações, há caminhos mais eficazes para reduzir emissões?

Suzana Kahn – Acredito mais no potencial dos mercados voluntários de carbono, ou em mecanismos que envolvam diretamente o consumidor. Quando empresas conseguem demonstrar que produzem com menos carbono embutido, tornam-se mais eficientes e competitivas. E o consumidor tem um poder enorme de transformar esse cenário. A pressão pública pode ter efeitos profundos. Já vimos empresas perderem valor de mercado por questões como trabalho escravo ou impactos ambientais. O caso da energia nuclear na Alemanha é outro exemplo de como decisões coletivas podem moldar políticas e mercados. Por isso, vejo mais impacto em ações como índices de carbono em bolsas de valores. Quando empresas com menor pegada de carbono passam a valer mais, cria-se um incentivo poderoso para que todas busquem eficiência – não só em emissões, mas também em uso de água, energia, matérias-primas. A pegada ambiental, como um todo, se reduz.


Essa abordagem tende a ser mais eficaz e prática do que criar sistemas regulatórios complexos, com custos altíssimos de monitoramento, verificação e transação. Ao estimular que cada empresa divulgue suas emissões e se comprometa com metas de redução, geramos mudanças comportamentais e estruturais – e, talvez, com mais impacto do que um mercado regulado conseguiria.


FCW Cultura Científica – Gostaria de retomar a questão dos Estados Unidos, que a senhora mencionou no início da entrevista. Com a saída do país do Acordo de Paris e considerando o recente relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos relativizando as projeções de aquecimento global, como a senhora enxerga essa relação entre ciência e política climática?

Suzana Kahn – O peso dos Estados Unidos é imenso. Junto com a China, o país define o tom das negociações climáticas internacionais. Quando os EUA se retiram de acordos ou adotam uma postura contrária à agenda climática, o impacto é enorme. Mesmo que essas decisões mudem de governo para governo, como já vimos antes, elas atrasam o processo global. E não é só uma questão de ausência – é de oposição ativa. Eles não apenas saem da mesa de negociação, mas também jogam contra. Ainda assim, acredito que esse movimento recente de retirar o reconhecimento oficial do impacto humano sobre as mudanças climáticas é mais estratégico do que ideológico. Não me parece que o governo americano realmente desacredite das evidências científicas. A ciência sobre as causas do aquecimento global está mais do que consolidada. O que ocorre é uma escolha política: não tratar do tema para não comprometer a atividade econômica.


Os Estados Unidos historicamente apostam na tecnologia como caminho para enfrentar o aquecimento global. Investem pesado em soluções como o CCS (captura e armazenamento de carbono), energias alternativas e inovação. Confiam que vão conseguir resolver o problema com engenharia e eficiência, sem ter que abrir mão de desenvolvimento ou competitividade. O problema é que essa lógica posterga decisões importantes. Ao insistirem em manter a exploração de petróleo, o uso de carvão e outros combustíveis fósseis, os EUA acabam dificultando a construção de acordos mais ambiciosos e colaborativos. Isso gera um efeito dominó – outros países também se sentem desestimulados a avançar. E, no fim das contas, a China acaba ocupando um espaço que antes era dividido. Diante da retirada americana, o mundo se aproxima da China como referência em comércio, investimento e até em compromissos ambientais. É uma inversão delicada, que mostra como decisões unilaterais podem reconfigurar a geopolítica climática. 


FCW Cultura Científica – Para encerrarmos, o que a COPPE/UFRJ pretende levar como contribuição para a COP30?

Suzana Kahn – A COPPE está preparando a participação com foco em três grandes temas. O primeiro envolve a discussão sobre diferentes fontes de energia que, muitas vezes, são tratadas de forma excessivamente polarizada como se fossem inteiramente boas ou más. Queremos ajudar a desmistificar isso. Vamos discutir, por exemplo, a exploração de petróleo na margem equatorial, a energia nuclear e as grandes hidrelétricas com reservatórios. São fontes que geram debate intenso, e com razão, pois todas têm impactos ambientais importantes. Mas é preciso analisar essas questões com mais racionalidade e menos paixão. Há riscos, claro, mas também benefícios que precisam ser ponderados — como a geração de royalties para regiões carentes. Nosso objetivo é promover uma avaliação mais equilibrada, técnica e baseada em evidências.


Um segundo eixo de discussão será o transporte de longa distância. Queremos debater alternativas viáveis para os setores aéreo e marítimo. No caso da aviação, isso inclui o uso do SAF (combustível sustentável de aviação). Para o transporte marítimo, estamos estudando a viabilidade do biodiesel, inclusive com produção local na região amazônica – como em Belém – para abastecer navios que seguem para a Ásia, por exemplo.


O terceiro tema é a bioeconomia e o potencial das biomassas da região amazônica. Estamos desenvolvendo um estudo sobre o aproveitamento integral dessas biomassas, dentro de uma lógica de economia circular. Um bom exemplo é o bambu: ele pode ser usado na construção civil, mas também tem brotos com valor nutricional. Já os resíduos, como cavacos, servem para geração de energia.


Outro exemplo é o cacau. Hoje, há uma produção crescente de chocolate amazônico, de alto valor agregado. Mas a biomassa que sobra da produção ainda representa um desafio — e pode ser aproveitada energeticamente. Queremos mostrar que, ao integrar usos múltiplos dessas matérias-primas, é possível gerar mais valor, reduzir resíduos e estimular cadeias produtivas sustentáveis na região.









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Revista FCW Cultura Científica v. 3 n.3 Set - Dez 2025

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