
Editorial
Cultura científica climática
A COP30, que será realizada em novembro, às margens da maior floresta tropical do planeta, nos lembra que o clima não é apenas uma questão físico-química, mas também cultural, civilizatória e existencial. Esta edição reúne vozes que pensam o desafio climático desde diferentes ângulos: da política internacional à ciência dos solos, da diplomacia ao futuro da floresta, da transição energética ao limite do aquecimento global

Sobre
Entre a visão global e o enraizamento local, a COP30 emerge como encruzilhada. É o momento de aceitar que não há futuro sustentável sem cultura, sem ciência, sem política ou sem ética. E que nenhuma dessas dimensões pode caminhar isolada. Talvez seja essa a lição mais profunda da Amazônia: nenhuma árvore se mantém sozinha, cada uma só se ergue porque há outras ao redor.
Há momentos na história em que a humanidade se depara diante de um espelho. Não um espelho de superfície lisa, que devolve imagens nítidas, mas um espelho turvo, feito de água em movimento, como os rios que correm pela Amazônia. Nesse espelho, vemos ao mesmo tempo o reflexo de quem somos e a possibilidade de quem poderíamos ser. A COP30, que será realizada em novembro em Belém, guarda essa dimensão simbólica.
A conferência, que ocorrerá às margens da maior floresta tropical do planeta, pretende não ser apenas mais um encontro científico sobre o clima, entre tantos que se sucederam ao longo das últimas décadas. A COP30 em Belém será um momento carregado de densidade simbólica: uma cúpula global instalada no coração da Amazônia, espaço que é, ao mesmo tempo, território concreto e metáfora universal. Ali, onde rios se bifurcam e se reencontram, onde o ciclo da vida se faz exuberância e precariedade, a humanidade também se defronta com a sua própria condição. Mas o espelho da humanidade não devolve apenas promessas. Ele traz consigo o peso daquilo que ainda não foi feito.
Como lembra Thelma Krug, coordenadora do Conselho Científico da COP30, em entrevista nesta edição da Revista FCW Cultura Científica, é preciso que Belém seja um lugar de transição entre o discurso e a ação, entre as promessas reiteradas e a materialização de medidas efetivas. O fortalecimento do multilateralismo, tão necessário em um mundo que se fragmenta, passa por reconhecer o protagonismo dos países em desenvolvimento e por dar concretude às 30 ações da Agenda Climática. A floresta, afinal, não espera; e o relógio do aquecimento global não se deixa adiar.
Se a dimensão política e simbólica da conferência é inescapável, não menos essencial é o campo das soluções técnicas e científicas. Carlos Eduardo Cerri, diretor do CCarbon, destaca que o caminho da agricultura tropical pode ser redesenhado a partir da ciência: novas formas de manejo, práticas inovadoras de sequestro de carbono, a busca por solos mais vivos e resilientes. Sua contribuição projeta a esperança de que o futuro climático também se escreve a partir da relação cotidiana com a terra – e com o cuidado que dedicamos a ela.
A Amazônia, onde a COP30 se realizará, também nos devolve perguntas profundas. David Montenegro Lapola alerta para o risco do ponto de não-retorno (tipping point) da floresta, quando os mecanismos naturais que a sustentam podem entrar em colapso irreversível. Para entender o problema, ele nos apresenta o AmazonFACE, um experimento inédito que busca compreender como o aumento da concentração de CO₂ atmosférico afetará a floresta e sua biodiversidade. Sua pesquisa lembra que o futuro da Amazônia – e do planeta – não é abstrato.
No terreno da adaptação, Suzana Kahn, diretora da COPPE/UFRJ, chama a atenção para os impasses geopolíticos que rondam a COP30 e ressalta a centralidade da equidade. Em um mundo marcado por desigualdades históricas, não haverá transição energética justa sem reconhecer as responsabilidades diferenciadas entre países e a necessidade de colocar as populações mais vulneráveis no centro da agenda climática.
Entre a visão global e o enraizamento local, a COP30 emerge como encruzilhada. É o momento de aceitar que não há futuro sustentável sem cultura, sem ciência, sem política ou sem ética. E que nenhuma dessas dimensões pode caminhar isolada. Talvez seja essa a lição mais profunda da Amazônia: nenhuma árvore se mantém sozinha, cada uma só se ergue porque há outras ao redor. Assim também é a humanidade diante da crise climática – ou aprendemos a pensar em termos de interdependência, ou o colapso será a medida de nosso isolamento.
Entre a floresta e o solo, entre os fóruns diplomáticos e os experimentos científicos, a COP30 se desenha como encruzilhada histórica. O encontro de Belém nos lembra que o clima não é apenas uma questão físico-química, mas também cultural, civilizatória e existencial.
Ao reunir vozes que pensam o desafio climático desde diferentes ângulos – da política internacional à ciência dos solos, da diplomacia ao futuro da floresta – esta edição da Revista FCW Cultura Científica deseja oferecer ao leitor não apenas análises, mas sobretudo uma provocação. Pois o que se decide em Belém não diz respeito apenas às nações reunidas, mas a cada um de nós, a cada gesto de cuidado ou descuido, a cada escolha de vida.
E talvez possamos concluir com a imagem das águas que correm pela Amazônia: nunca são as mesmas, nunca permanecem. Movem-se, transformam-se, renovam-se. Assim também deve ser a nossa resposta ao desafio climático: um movimento contínuo, coletivo e vital.
Boa leitura!
Carlos Vogt
Editor-chefe
Espaço e tempo
Com o futuro não se brinca
com o passado
também não
com o presente
forma a trinca
do real e da ilusão
Carlos Vogt, poema de A Cidades e os Livros, publicado em cantografia.com.br.

Revista FCW Cultura Científica v. 3 n.3 Set - Dez 2025



















