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Entrevista

Telma Vinha

Professora da Unicamp expõe os impactos negativos da alta exposição de jovens às redes sociais, como ansiedade, depressão e o aumento da violência escolar. Destaca o papel das subcomunidades digitais, onde conteúdos violentos e nocivos se disseminam e adolescentes encontram validação em câmaras de eco. Vinha também alerta que o fosso geracional entre adultos e jovens cresceu e defende regulação das plataformas, educação digital nas escolas e ações coletivas para limitar o uso precoce de redes sociais

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Sobre

Telma Pileggi Vinha é professora associada no Departamento de Psicologia Educacional e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp, universidade onde coordena o Grupo de Estudos Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública, vinculado ao Instituto de Estudos Avançados e o Laboratório de Psicologia Genética da Faculdade de Educação. É também coordenadora associada do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral.

Suas pesquisas abordam temas como clima e convivência escolar, conflitos, violências, relações interpessoais, além do desenvolvimento moral e socioemocional. É integrante de entidades nacionais e internacionais que atuam nessas áreas. Recebeu o prêmio Faz Diferença 2023 na categoria Educação, concedido pelo jornal “O Globo”.

É autora e coautora de diversos livros, entre os quais “Cuándo una escuela es democrática: Las normas, las reglas y las Asambleas escolares” (2021), “Da Escola Para a Vida em Sociedade: o Valor da Convivência Democrática” (2017), “Indisciplina, Conflitos e Bullying na Escola” (2013), “É possível superar a violência na escola?” (2012) e “O Educador e a Moralidade Infantil: uma Visão Construtivista” (2009).

FCW Cultura Científica – Professora Telma, quais questões comportamentais preocupantes têm sido observadas com frequência em estudantes com alta exposição a redes sociais?

Telma Vinha – Desde o retorno das aulas presenciais após a pandemia de Covid-19, temos observado, por exemplo, um aumento significativo nos conflitos e na violência escolar. Um dos indicadores disso vem do Conviva, um aplicativo da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, no qual gestores registram ocorrências como bullying, ameaças e outros conflitos. Em 2019, antes da pandemia, foram registrados cerca de 30 mil casos de violência interpessoal (agressões físicas e verbais entre estudantes). Esse número saltou para mais de 71 mil logo após a pandemia e, em 2023, em vez de cair como se esperava, ultrapassou 88 mil registros.


Há também um crescimento expressivo nos casos de ansiedade e depressão entre jovens. Por exemplo, dados do Observatório de Violências nas Escolas uma iniciativa dos Ministérios da Educação e dos Direitos Humanos e da Cidadania mostram que, em 2013, houve 895 registros de autolesões em escolas. Já em 2023, esse número chegou a 9.437. Nos últimos anos, temos visto um crescimento também nos casos de discursos de ódio, vazamento de imagens íntimas sem consentimento, discriminação e assédio entre estudantes. O Help Line da Safernet, que oferece apoio em situações de violência online, registrou, entre 2022 e 2024, aumento expressivo de denúncias envolvendo discurso de ódio, exposição de imagens íntimas e pornografia infantil.


FCW Cultura Científica – Seu grupo de pesquisa também estuda ataques em escolas.

Telma Vinha – Sim. Após o ataque em Suzano, em 2019, fomos chamados para contribuir, justamente porque trabalhamos com escolas. Entendemos que há uma diferença significativa entre ataques em espaços como supermercados ou aeroportos e aqueles que ocorrem em instituições de ensino. Na escola, mexe-se com a identidade. A maioria dos ataques é cometida por pessoas que têm vínculo com o local geralmente alunos ou ex-alunos , o que torna ainda mais doloroso para a comunidade escolar. Fomos convidados a ajudar no processo de reconstrução simbólica e emocional da escola, monitorando e estudando esse tipo de violência no país. 


Nosso objetivo foi entender porque alguém volta a um lugar onde estudou e comete um ato de violência extrema como aquele. Para isso, realizamos uma análise histórica de episódios semelhantes. Estudamos ataques intencionalmente ocorridos na escola cometidos por estudantes e ex-estudantes que se caracterizam como crimes de ódio e/ou movidos por vingança. Eles também se caracterizam pelo planejamento e o emprego de determinados tipos de armas com a intenção de causar a morte de uma ou mais pessoas.


Analisamos dados de 42 ataques em escolas brasileiras ocorridos entre 2001 com o episódio em Macaúbas, na Bahia e dezembro de 2024. Desses ataques, 27 ocorreram apenas nos últimos três anos, entre março de 2022 e dezembro de 2024. Em 2022, foram registrados 10 episódios; em 2023, esse número subiu para 12; e em 2024 houve uma redução, com cinco ataques. Verificamos que, dos 42 ataques, 33 foram ataques ativos, que são aqueles em que estudantes ou ex-estudantes vão à escola com a intenção de matar o maior número de pessoas possível. Os dados estão reunidos no relatório Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos, que disponibilizamos na internet.


FCW Cultura Científica Há algum padrão quanto ao tipo de escola onde esses ataques ocorrem?

Telma Vinha – Do total de episódios que estudamos, 84% ocorreram em escolas públicas, o que é coerente com a proporção de escolas públicas no país ou seja, trata-se de um fenômeno que pode acontecer em qualquer instituição de ensino. No entanto, chama a atenção que em 80% dessas escolas os estudantes pertencem a famílias de nível socioeconômico médio, médio-alto ou alto. A maior parte dos ataques não ocorreu em regiões consideradas vulneráveis. Dos 45 autores identificados nos 42 episódios, 28 estavam regularmente matriculados e 17 eram ex-alunos. A maioria conhecia a escola, tinha vínculo com o ambiente escolar.


Identificamos também que quase todos os autores eram meninos. Apenas um ataque, em dezembro de 2024, foi cometido por uma menina. Eles eram muito jovens: o mais novo tinha apenas 10 anos e o mais velho, 25. Aproximadamente 80% eram menores de 18 anos. Isso mostra que a adolescência, uma fase marcada por grande vulnerabilidade emocional, é um período crítico. Esse padrão se repete também em outros contextos, como em ataques terroristas na Inglaterra, que frequentemente envolvem adolescentes. Os estudos têm indicado um envolvimento cada vez maior de adolescentes em episódios de violências extremas. No Brasil, os autores são majoritariamente meninos e brancos.


Elaborado por Telma Vinha e Cléo Garcia, da Unicamp, o relatório atualiza e aprofunda a análise sobre os ataques de violência extrema em escolas no Brasil
Elaborado por Telma Vinha e Cléo Garcia, da Unicamp, o relatório atualiza e aprofunda a análise sobre os ataques de violência extrema em escolas no Brasil

FCW Cultura Científica – Um problema importante no ambiente escolar sempre foi o bullying. O que muda com o bullying digital?

Telma Vinha – O bullying tem cinco características principais. Em primeiro lugar, ele só ocorre entre pares, não ocorre entre um adulto e um estudante, por exemplo. Além disso, há intenção de humilhar, não é uma simples brincadeira que deu errado. A terceira característica é envolver um alvo vulnerável o agressor percebe uma fragilidade da vítima e a explora. Outro ponto é que o bullying é recorrente, ou seja, acontece com frequência, como duas ou três vezes por semana. E, por fim, tem uma plateia. O bullying ocorre diante de colegas, mas longe dos olhos dos adultos. Essa plateia, muitas vezes, não reage por medo, por achar graça ou por não saber o que fazer.


O cyberbullying é diferente do bullying presencial porque pode ocorrer uma única vez e ainda assim causar danos profundos e duradouros. Um meme, uma piada ou um vídeo postado nas redes pode ser compartilhado milhares de vezes e atingir proporções incontroláveis. E, com o uso de inteligência artificial, isso se torna ainda mais grave. O post pode ser falso, mas os impactos são reais.


Há uma lei recente, de 2024, que atualiza a legislação de 2015 e criminaliza tanto o bullying quanto o cyberbullying. No entanto, essa criminalização é polêmica, porque adolescentes não são considerados criminosos eles são sujeitos a medidas socioeducativas, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por isso, embora seja importante haver firmeza diante de violações como racismo ou bullying, a resposta, no caso da escola, precisa ser sempre pedagógica, visando à aprendizagem de todos os envolvidos. O bullying não deve ser tratado apenas como um problema individual, mas como um problema coletivo. 


FCW Cultura Científica – Na série Adolescência, da Netflix, chamou muito a atenção uma cena em que um aluno diz ao pai, que é policial e investiga o assassinato de uma aluna, que o pai “não está entendendo o que está acontecendo”. Além de emojis com significados desconhecidos dos adultos, os jovens têm usado não apenas X ou Instagram, mas plataformas como o Discord, que a grande maioria dos pais não faz ideia que existam. Poderia falar sobre esse cenário?

Telma Vinha – Esse cenário é muito preocupante. Há alguns anos, conteúdos violentos, mórbidos ou de incitação ao suicídio eram encontrados principalmente na chamada Dark Web. Hoje, isso tudo está na superfície da internet, com fácil acesso para qualquer pessoa inclusive crianças e adolescentes. Isso ocorre basicamente por duas vias. A primeira é por meio das redes sociais mais conhecidas e amplamente utilizadas, como Instagram, TikTok, X [ex-Twitter] e Reddit. Em uma pesquisa que fizemos, encontramos mais de 10 mil páginas de conteúdos violentos e nocivos em subcomunidades nessas redes, em perfis abertos. Essas subcomunidades usam sigla ou hashtag, por exemplo, SHTWT, que é uma subcomunidade de autolesões, ou EDTWT, que incentiva a magreza excessiva. Há  subcomunidades em que diversos tipos de violências e condutas nocivas estão presentes,  tais como gordofobia e gore, que são vídeos ultraviolentos. Apesar disso, são perfis abertos e fáceis de encontrar. 


A segunda forma de acesso a conteúdos violentos e nocivos ocorre por meio de comunidades fechadas. Isso pode ocorrer em grupos no Telegram, WhatsApp ou Instagram, mas o principal está nas chamadas plataformas adjacentes, que são originalmente plataformas de comunidades de jogos, mas que servem para fazer live ou chat. A principal delas é o Discord, uma plataforma dinâmica com grande apelo entre os jovens, especialmente por quem joga videogame. Nela, as comunidades são organizadas por meio de "servidores", que funcionam como espaços temáticos com múltiplos canais. Um único servidor pode ter diversos subservidores com diferentes níveis de acesso. Por exemplo, no primeiro nível, todos os usuários têm acesso a salas de bate-papo ou jogos, mas, para avançar a níveis mais restritos, é preciso cumprir desafios ou “merecer” esse acesso.


É justamente nesses espaços fechados que encontramos comunidades muito perigosas. Existem servidores que glorificam autores de ataques violentos, idolatrando essas figuras. Outros promovem autolesão, tortura de animais ou desafiam os participantes a cometerem atos extremos. Mesmo quando um servidor é denunciado ou derrubado, rapidamente é criado outro link, e os usuários migram para esse novo espaço. A estrutura da plataforma favorece esse tipo de reconfiguração constante, o que dificulta ações de monitoramento e controle. Esse é um dos grandes desafios que enfrentamos hoje no combate à disseminação de conteúdos nocivos entre os jovens.


FCW Cultura Científica – Como os jovens ficam sabendo desses canais no Discord?

Telma Vinha – Os autores desses espaços publicam links em plataformas como TikTok ou Instagram, dizendo que “vai começar um jogo” ou uma nova interação. Aí os jovens vão para lá. E quando os pais ou responsáveis entram no quarto, tudo parece inofensivo: estão apenas jogando. Mas, além dos jogos, nas áreas de bate-papo circulam conteúdos misóginos, homofóbicos e preconceituosos, por exemplo. Por meio desses bate-papos, chegam convites para outros servidores que contêm conteúdos ainda mais violentos e nocivos. Também são cooptados por meio de elementos da cultura juvenil, como os memes, sarcasmos, postagens virais e trends. O que torna esses espaços tão perigosos não é apenas o conteúdo explícito, mas o fato de funcionarem como locais de escuta para os adolescentes. Em nossas pesquisas, os jovens frequentemente relatam que os adultos não os escutam nem os pais, nem os professores. E quando escutam, geralmente vêm com sermões, conselhos ou simplesmente não levam a sério. Nas comunidades virtuais, os adolescentes encontram locais de escuta, onde são compreendidos pelos outros usuários. São o que chamamos de câmaras de eco.


FCW Cultura Científica  Como funcionam essas câmaras de eco?

Telma Vinha – Elas funcionam como espaços onde sentimentos de frustração ou ressentimentos encontram reforço. Se um adolescente, por exemplo, diz que “mulher é tudo interesseira” porque foi rejeitado, os colegas do grupo o apoiam: “É isso aí, você está certo.” Esse tipo de resposta reforça o sentimento de pertencimento por meio do ódio compartilhado. Entre meninas, os conteúdos nocivos geralmente estão mais ligados à não gostar de si mesmas do corpo, da aparência. Já entre os meninos, prevalece uma raiva do mundo, dos outros, de quem supostamente “tirou o que era deles por direito”.


O pertencimento nessas comunidades cria compromisso com o grupo, e esse compromisso muitas vezes se manifesta em ações extremas. Por exemplo, se eles querem compromisso de agredir, filmam e mostram, como aconteceu em Sapopemba. Se querem passar para um servidor maior no Discord, precisam superar desafios, seja torturar um animal, mostrar partes do corpo, ou até marcar em cortes o próprio braço com o nome do líder do servidor. Tudo isso é documentado com fotos ou vídeos. Ao documentar essas ações, adolescentes e até crianças produzem provas contra si mesmos, o que abre espaço para chantagens e ameaças. Muitas vezes, outros usuários usam essas imagens para pressioná-los ameaçando, por exemplo, mostrar o conteúdo para os pais.


FCW Cultura Científica – As redes sociais têm ampliado a tradicional distância entre jovens e adultos?

Telma Vinha – Sempre houve um gap geracional, mas agora não temos um gap, temos um fosso. As mudanças atuais são muito mais rápidas e ocorrem, principalmente, em um universo do qual o adulto não faz parte. As pesquisas que têm sido feitas sobre redes sociais e internet falam sobre o tempo gasto ou sobre o tipo de discurso em determinada plataforma, mas não vemos estudos abordando as subcomunidades ou o que ocorre dentro dos servidores do Discord, por exemplo, que é um universo de milhões de jovens. O que está ali dentro é desconhecido de nós, adultos, pesquisadores, educadores e pais. O avanço de conteúdos violentos e nocivos, a rapidez com que as mudanças ocorrem nesse campo e as graves consequências para nossas crianças e jovens trazem o sentimento de impotência, é como enxugar gelo. São milhares e milhares de páginas e, quando uma cai, surgem várias outras. 


Enfrentar essa realidade exige regulação e responsabilização das plataformas sociais. Elas devem ser responsáveis pelo conteúdo, diferentemente do que consta no Marco Civil da Internet, que foi feito há mais de dez anos. Da mesma forma que temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, precisamos de uma legislação que proteja os jovens também no ambiente online. As tentativas de regulamentar esse ambiente esbarram no imenso poder das big techs, que muitas vezes têm mais influência que o próprio Estado. Por isso, é errado individualizar o problema, responsabilizar as famílias, por exemplo. Essa é uma questão complexa e estrutural, que envolve governo e políticas públicas. 


No Brasil, temos mais de 11 milhões de mães solo, e 50% das mulheres são responsáveis pelo sustento da casa. Não estou desmerecendo o papel dos homens, mas pense nessas mulheres que acordam de madrugada, trabalham o dia todo, cuidam da casa e dos filhos. Quando chega a noite, exaustas, você acha que elas têm tempo ou conhecimento para vigiar o que os filhos estão fazendo nas redes? A maioria sequer sabe o que é uma subcomunidade, muito menos como agir se o filho estiver envolvido em uma delas. O governo até produz boas cartilhas, com orientações sobre como instalar controle parental, por exemplo, mas a realidade é que essas mães muitas vezes não sabem nem por onde começar. E, se tentam impor um limite como pedir a um menino de 15 ou 16 anos para desligar o celular , a casa pode virar um inferno. 


FCW Cultura Científica – O que se pode fazer diante de um cenário tão complexo e preocupante?

Telma Vinha – Temos observado iniciativas de vários países que tentam enfrentar esse problema. Um exemplo é a França, onde jovens não podem entrar em redes sociais antes dos 14 anos, mas também percebe-se que muitas crianças burlam usando VPN. A Austrália proibiu o uso de redes sociais por menores de 16 anos e exigiu que as plataformas bloqueiem conteúdos impróprios, mas ainda há um prazo para adequação. A medida não inclui jogos, apps de mensagem e sites sem login. O desafio é verificar a idade dos usuários sem violar a privacidade. Isso está longe de ser simples, mas há uma série de caminhos possíveis sendo debatidos.


Entre as medidas familiares, está o uso do controle parental nos dispositivos, que permite limitar o tempo de uso, restringir o acesso a determinados conteúdos e bloquear palavras-chave. Mas isso exige conhecimento técnico que muitos pais e mães não têm. Além disso, o ideal é que crianças com menos de 12 anos não tenham um smartphone próprio. Se precisarem de um telefone, que seja um modelo mais simples, como os de antigamente, que só fazem ligações e enviam mensagens SMS. Os pais até podem emprestar seus celulares em momentos específicos, mas não é saudável que a criança tenha um aparelho próprio nessa fase.


Mas a realidade é que as crianças têm celulares e estão nas redes sociais cada vez mais cedo, e esse é justamente o desafio. Por isso, defendemos que haja um movimento coletivo entre os pais. Não adianta uma única família restringir o uso de telas e redes sociais se todas as outras coisas não o fazem. A criança pode se sentir excluída socialmente. Quando a decisão é coletiva, ela passa a ser compartilhada e melhor compreendida pelas crianças, o que reduz o sentimento de isolamento.


FCW Cultura Científica O que você acha da limitação ou proibição do uso das redes sociais para crianças?

Telma Vinha – A recomendação é que o uso das redes sociais só comece a partir dos 14 ou 15 anos, e mesmo assim com monitoramento parental. Quando os pais entregam um smartphone a um filho, estão dando a ele uma mobilidade enorme, abrindo uma janela para o mundo. Isso é bem diferente de alguns anos atrás, quando o computador ficava na sala, em um ambiente supervisionado. O celular é portátil, pessoal e privado, o que exige ainda mais atenção.


Equilibrar o respeito à privacidade com a proteção dos filhos é um dilema delicado. Pense assim: se seu filho vai a uma festa, você quer saber onde será, quem estará lá e quando ele vai voltar, certo? Agora, imagine que nessa festa há riscos reais pedófilos, violência, incentivo ao abuso. Você deixaria seu filho ir? A internet oferece esse tipo de exposição, por isso, a proteção deve vir em primeiro lugar. Os pais devem ter acesso às senhas dos filhos, isso deve ser combinado. 


FCW Cultura Científica – Quais sinais exigem atenção especial?

Telma Vinha – Uso excessivo da internet; afastamento de amigos e familiares; interesse exagerado por armas ou conteúdos violentos; agressividade verbal ou física; discursos misóginos, racistas ou LGBTQIA+fóbicos; atitudes frias e sem empatia; irritabilidade constante; manifestações autolesivas são alguns sinais que, se apresentados pela criança ou adolescente, os pais precisam investigar. Eles precisam saber o que seus filhos estão consumindo online. A presença dos pais é fundamental: o acompanhamento deve ser constante, com diálogo, escuta ativa e orientação. Proteger não é o mesmo que vigiar por desconfiança; proteger é cuidar com responsabilidade. Não é fácil, mas é essencial.


Os pais precisam criar vínculos com os filhos. Muitos adolescentes que enfrentam situações graves, como chantagens virtuais ou mesmo envolvimento em atos extremos, não têm coragem de contar aos pais o que estão vivendo. Eles sabem que erraram, que fizeram besteira ao fazer algum tipo de comentário condenável ou ao enviar um nude e sentem vergonha ou medo da reação dos adultos. Com isso, acabam se calando e se afundando cada vez mais em uma espiral de chantagem e sofrimento. É essencial que a criança ou adolescente saiba que pode contar com os pais mesmo quando erra. Mesmo que o problema pareça pequeno aos olhos dos pais, é importante validar o que o filho sente. Esse acolhimento genuíno faz diferença.


FCW Cultura Científica – Que tipo de atitudes ajudam a fortalecer esse vínculo?

Telma Vinha – É preciso criar momentos de conexão verdadeira. Nós, pais, muitas vezes entramos no modo automático: cobrar lição de casa, verificar o uso do celular, corrigir comportamentos. Mas é fundamental também viver momentos leves, agradáveis. Ir comer um sanduíche só com o filho, sentar em silêncio ao lado dele, assistir a um vídeo bobo do TikTok que ele adora. São nesses momentos que o adolescente se abre, mostra o que está vendo, com quem está falando. Ele pode dizer: “Pai, olha isso aqui que eu vi”, ou contar que alguém do grupo de WhatsApp está sendo racista, por exemplo. Esse é o momento ideal para orientar, explicar que ele também é responsável e que precisa agir. Mas para isso, ele precisa sentir que está em um ambiente de confiança, que tem um lugar de pertencimento dentro de casa, do contrário, há pouca chance de eles se abrirem conosco. 


Crianças no ensino fundamental ainda pedem ajuda aos adultos. Adolescentes pouco recorrem aos adultos, nem na escola, nem na família. Isso acontece porque, muitas vezes, quando contam algo, como casos de ser alvo de bullying, a situação piora. Eles podem sentir vergonha também. Eles aprendem que é melhor ficar calado. Estamos vivendo algo que nunca enfrentamos antes enquanto sociedade. É uma crise civilizatória. O mundo mudou, ficou muito mais complexo, os riscos aumentaram e ninguém tem todas as respostas. Se alguém disser que sabe o que fazer, é coach. O que vemos entre pesquisadores é justamente o oposto: todos estão tentando entender, tateando no escuro, buscando caminhos. 



 




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Revista FCW Cultura Científica v. 3 n.2 Jun - Ago 2025

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