Thoroh de Souza
Um dos pioneiros em estudos sobre grafeno, cientista idealizador do MackGraphe e fundador da DreamTech Nanotechnology fala sobre as propriedades ímpares do material e como ele já está dando forma a compostos e aplicações inovadoras
Sobre
Eunézio Antônio Thoroh de Souza é professor titular da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e idealizador do Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias (MackGraphe). É tambem cientista-chefe do Senai-SP. Atua na área de fotônica em dispositivos avançados baseados em materiais bidimensionais. É fundador da DreamTech Nanotechnology.
É conselheiro da China Innovation Alliance of the Graphene Industry, membro do Comitê Internacional dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fapesp, da Optical Society of América, da IEEE Photonics Society, da Sociedade Brasileira de Física e da Sociedade Brasileira de Microondas e Optoeletrônica.
Graduou-se em física no Instituto de Física e Química de São Carlos da Universidade de São Paulo em 1996. Obteve doutoramento direto em física no Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas em 1991. Entre 1992 e 1995, foi pesquisador visitante da AT & T Bell Laboratories (Estados Unidos), trabalhando no Departamento de Dispositivos Optoeletrônicos Avançados. De volta ao Brasil, tornou-se professor do Instituto de Física da Universidade de Brasília, onde foi coordenador do programa de pós-graduação do instituto.
FCW Cultura Científica – Professor Thoroh, o que é o grafeno e quais são as principais características desse material tão badalado?
Thoroh de Souza – O grafeno é uma forma cristalina do carbono. Um elemento químico pode dar origem a substâncias diferentes, chamados alótropos. O carbono tem alótropos como a grafite (ou grafita) e o diamante. Em 2004, foi isolado o grafeno, que é constituído por uma camada extremamente fina de grafite. Depois que foi obtido, o grafeno passou a ser estudado e se descobriu que se tratava de um material sem igual. Ele tem excelente condutividade elétrica e é muito resistente. Por causa das ligações covalentes, é comparativamente 200 vezes mais forte do que o aço, mas, por ser muito fino, também é muito maleável. É ao mesmo tempo muito fino e muito forte. Os conceitos de dureza e ductilidade, que pareciam coisas separadas, estão juntas no grafeno. Outro ponto. O grafeno é tão fino que é quase transparente, transmitindo 98% da luz que incide sobre ele. Para se ter uma ideia, os óculos que usamos, com vidro de boa qualidade, transmitem em torno de 92%. O grafeno tem muitas outras propriedades, como a leveza. Vou dar um exemplo para se ter uma ideia de como esse material é maravilhoso. Se pegarmos uma caixa d'água com 1 metro de lado e enchermos, teremos 1 metro cúbico de água, ou 1 tonelada de peso. Com a caixa vazia, pesamos o ar que está dentro dela e veremos que esse 1 metro cúbico de ar equivale a 1,3 quilo. Agora, se enchermos essa caixa com um aerogel feito de grafeno, o peso será de apenas 160 gramas, ou seja, sete vezes mais leve do que o ar.
FCW Cultura Científica – O grafeno foi isolado em 2004 mas na década de 1960 já havia sido descrito. Por que levou tanto tempo para ser obtido?
Thoroh de Souza – A ideia de monocamada, de um cristal bidimensional, é antiga. Há muito tempo se considerava teoricamente possível obter um cristal bidimensional, mas o problema é que a espessura seria muito pequena. Houve inclusive cientistas que disseram ser impossível obter na prática um cristal bidimensional porque ele não seria estável termodinamicamente. Seria tão fino que não se manteria estável e essa ideia permaneceu por muito tempo. Entretanto, muita gente continuou buscando cristais cada vez mais finos, mas sempre com uma visão de cima para baixo. Ou seja, você pega um cristal espesso e vai diminuindo até chegar na monocamada, era essa a ideia. Um cientista muito influente na área é o Philip Kim, de Harvard, que queria fazer o chamado nanolápis. Ele queria conseguir uma ponta tão fina que o último elemento seria somente um átomo ou só a monocamada. Usando toda a tecnologia disponível, ele conseguiu cinco camadas. Então, entrou em cena a genialidade do professor Andre Geim, que junto com o Konstantin Novoselov, ambos da Universidade de Manchester, esfoliaram grafite com uma fita adesiva. Cada vez que esfoliavam, dividiam ao meio o número de camadas e fizeram isso sucessivamente até chegar a duas camadas. Fizeram novamente e só ficou uma de cada lado. Como a monocamada estava depositada na fita, ela tinha um substrato no qual se apoiar, então não enrugava, as tensões superficiais não faziam com que colapsasse. A partir de uma experiência absurdamente simples, eles conseguiram obter grafeno em 2004. Outra curiosidade é que isso foi conseguido durante a atividade que chamavam de Friday Night Experiments. O grupo do professor Geim tem esse costume. Eles trabalham duro a semana toda, mas quando chega a sexta-feira eles dizem “vamos fazer algo divertido”. Fazer coisas por puro divertimento, sem compromisso e sem a obrigação de entregar resultados. Simplesmente pelo gosto da ciência. E foi dentro dessas brincadeiras da sexta-feira à tarde que eles conseguiram obter o grafeno. Ganharam o Prêmio Nobel por isso.
FCW Cultura Científica – O professor Adalberto Fazzio comentou que na física de materiais o desenvolvimento é incremental mas às vezes há uma descoberta que representa um salto, uma mudança de paradigma, e o grafeno é um desses casos.
Thoroh de Souza – O Fazzio é um bom cientista e tem razão. A ciência normalmente é incremental, mas tem casos e momentos que são disruptivos e acho que o grafeno é um desses exemplos. Disrupção inclusive na maneira de se obter. O processo de obtenção do grafeno é incrivelmente mais simples do que em outros materiais para se chegar ao nível atômico. Não tem comparação. E um detalhe é que estamos falando até agora das propriedades do grafeno, mas podemos usar o grafeno junto com outro material, para explorar as propriedades desse outro material, aumentar a dureza, proteger da corrosão ou melhorar a condutividade. Quando pegamos um material e aplicamos o grafeno, temos uma inovação e essa inovação é aditiva.
FCW Cultura Científica – O grafeno então poderá dar origem a inúmeros compostos e aplicações inovadoras?
Thoroh de Souza – Sim, mas antes o grafeno tem dois grandes desafios para superar. O primeiro é a dificuldade de encontrar grafeno bom do ponto de vista industrial. Muitos não sabem identificar e confundem pó de grafite com pó de grafeno. Com isso, é claro que entram em cena aproveitadores que vendem gato por lebre, mas esses o mercado se incumbe de eliminar. O segundo desafio é que estamos falando de um material com dimensões nanométricas e que precisa ser tratado industrialmente como tal. É preciso saber utilizar o grafeno, saber explorar as suas potencialidades. Para se obter inovações aditivas a partir do grafeno não podemos tratá-lo como um material qualquer e simplesmente misturar com outro material. É preciso compreender o grafeno para poder explorar o seu potencial.
FCW Cultura Científica – Isso já está acontecendo?
Thoroh de Souza – A industrialização do grafeno para se chegar a inovações aditivas e disruptivas está em curso no Brasil e no mundo e em um horizonte de cinco anos muitas aplicações deverão chegar ao mercado. Vou dar um exemplo. O grafeno é flexível como o plástico mas ao mesmo tempo é um excelente condutor elétrico. Melhor condutividade, mais resistente e maleável. Isso torna o grafeno um material perfeito para uso na eletrônica flexível, em celulares e dispositivos eletrônicos com telas sensíveis ao toque. O grafeno permite explorar essas propriedades para criar algo disruptivo, que é a eletrônica flexível.
FCW Cultura Científica – O grafeno já está sendo obtido em escala industrial?
Thoroh de Souza – Sim, essa é uma questão resolvida há alguns anos, no Brasil você pode comprar a quantidade de grafeno que precisar, de altíssima qualidade, basta ligar na empresa MCassab e solicitar a quantidade que desejar. O maior desafio é como aplicar, é o treinamento para poder utilizar essa nova tecnologia.
FCW Cultura Científica – Essa questão motivou o senhor a criar a DreamTech Nanotechnology, que desenvolve soluções para aplicações com grafeno. Poderia falar sobre sua empresa, que inclusive tem como membro do conselho o professor Andre Geim?
Thoroh de Souza – A DreamTech nasceu porque o professor Geim e eu temos um amigo em comum chamado Simon Xiao, que estudou em Sichuan, depois fez doutorado nos Estados Unidos. Ele é diretor do China Council of Graphene Industry e tem uma empresa de grafeno no qual o Andre é sócio. Os dois me convidaram para ir à China para viajar pelo país difundindo o grafeno para empresários e vários setores industriais. Aquilo me fez perceber que era uma oportunidade muito grande. Então, em 2018, quando eu não estava mais na direção do MackGraphe, decidi criar a DreamTech, que tem o objetivo de levar a tecnologia do grafeno para o setor industrial, de converter conhecimento científico em produto e em tecnologia. Tanto o Andre como o Simon são conselheiros na DreamTech. Mas treinar as pessoas com um material novo é um trabalho de formiguinha. É por isso que alguns dizem que está lento, mas lento comparado com o quê? Um problema hoje é que muitos comparam tudo com software e querem que o hardware ande na velocidade do software, mas isso não vai acontecer. Se você comparar a velocidade com que o grafeno está entrando no mercado, comparar com outros materiais, quanto tempo levou para o alumínio ou para o plástico entrar no mercado, no caso do grafeno a velocidade é maior.
FCW Cultura Científica – Poderia dar exemplos de aplicações do grafeno desenvolvidas pela DreamTech?
Thoroh de Souza – Estamos bem avançados e existem várias aplicações, como no uso do grafeno em coberturas. Essa é outra propriedade importante. Em uma folha ou filme do material, os átomos de carbono estão tão densamente arranjados que são praticamente impenetráveis. São impermeáveis, nem mesmo os átomos de hélio passam por ele, o que é fantástico para proteção de superfícies. O grafeno utilizado como coating, como camada protetora anticorrosão, não tem igual, seja para proteção industrial, de estruturas, ou no setor marítimo e portuário. Nesses setores com grande ocorrência de corrosão, as tintas e proteções convencionais duram um ano e pouco, com o grafeno é três vezes mais. Estamos falando de três vezes mais em termos de eficiência. Outra aplicação do grafeno está na pintura em asfalto. Estamos testando e já conseguimos o dobro de durabilidade com uma espessura menor. A MCassab é a distribuidora do produtos da DreamTech.
FCW Cultura Científica – Como é o grafeno com relação à sustentabilidade?
Thoroh de Souza – Alguns processos de produção de grafeno e de óxido de grafeno são agressivos na natureza, mas o nosso método é 100% amigável com o meio ambiente. O grafeno não substitui o plástico, mas podemos ter compósitos com o grafeno como aditivo em plásticos para reforçar alguma propriedade ou criar uma propriedade que o material polimérico não tinha. Você pode fazer um material mais forte ou um plástico condutor. Um material que dura mais e precisa menos de substituição é também um benefício indireto para a natureza.
FCW Cultura Científica – Poderia falar sobre o MackGraphe, o centro de pesquisa pioneiro que o senhor idealizou?
Thoroh de Souza – O nosso interesse pelo grafeno surgiu a partir de um grande amigo, o professor Antonio Helio de Castro Neto, diretor do Graphene Research Center na Universidade Nacional de Singapura. Nós nos conhecemos há bastante tempo, desde a época de estudantes na Unicamp, depois nos Estados Unidos, quando eu estive no Bell Labs e ele em Urbana-Champaign, a gente se visitava, passava o Natal junto com a família. É uma pessoa muito próxima e querida e sem ele não existiria o MackGraphe. No início de 2010, ele me disse: “Thoroh, o Andre vai ganhar o prêmio Nobel de Física. Você tem que explorar as propriedades fotônicas do grafeno, é uma oportunidade muito grande”. Então comecei a elaborar com o Antonio Helio um projeto de pesquisa com grafeno para o Brasil. Em outubro, o Andre ganhou o Nobel e pensei “agora o negócio vai pegar”. Escrevemos o projeto e submetemos para a Fapesp, que recusou. Não sei quem foi o revisor da proposta, mas devemos muito a essa pessoa e é por isso que eu costumo dizer que o revisor de um projeto tem o dever de ajudar o proponente o máximo possível. No nosso caso houve a recusa, mas o revisor deu um check list de sugestões do que fazer para ressubmeter em outra categoria. Estávamos solicitando um auxílio à pesquisa regular, mas o revisor indicou que o projeto, pela dimensão, estava além dessa categoria. Reescrevemos a proposta e fizemos um acordo do Mackenzie com a Universidade Nacional de Singapura. Então o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, que era diretor científico da Fapesp, sugeriu incluir o projeto na modalidade SPEC [São Paulo Excellence Chair], pois o Antonio Helio se enquadrava, como um pesquisador renomado atuando no exterior. O projeto foi aprovado por quatro revisores internacionais. O conselho deliberativo do Mackenzie, que sempre nos apoiou muito, fez uma contrapartida à altura, na forma de um prédio e de infraestrutura. Assim, demos início ao MackGraphe, que representou uma mudança de paradigma na pesquisa em materiais avançados no Brasil. Tivemos também apoio de muitos cientistas como os professores Hugo Fragnito e Amir Caldeira da Unicamp; Henrique Toma e Lucio Angnes da USP; José Carlos Bressiani do Ipen; José Roque da Silva e Harry Westfahl Jr. do LNLS; e Marcos Pimenta da UFMG. Peço desculpas por não mencionar aqui todos pois são muitos os que acreditaram no projeto que conduzimos em conjunto com os professores Antonio Helio de Castro Neto e o Christiano J.S. de Matos, meus grandes amigos. Começamos e conseguimos reunir outros pesquisadores para o projeto que inicialmente estava baseado apenas em fotônica e estruturado com a filosofia do Bell Labs. Depois criamos outras áreas, como energia e compósitos, e passamos a agregar mais pessoas, porque a oportunidade era e continua muito grande. É importante de enfatizar o papel desempenhado pelo Christiano que no dia a dia foi responsável por conduzir o nível das pesquisas que resultaram nos trabalhos de maior impacto do projeto. Também sou grato à professora Lucia Saito, da Fotônica, que não mediu esforços para ajudar a montar os laboratórios dos novos pesquisadores de outras áreas.
FCW Cultura Científica – Além do grafeno, que outros exemplos poderia citar de materiais bidimensionais com potencial disruptivo.
Thoroh de Souza – O grafeno é o primo mais rico e famoso de uma família muito grande. Na realidade, o grafeno representa uma maneira de falar de materiais bidimensionais. É um sinônimo de material bidimensional, que podem ser obtidos por esfoliação. Vamos dividir do ponto de vista científico e do ponto de vista tecnológico e industrial. Do primeiro, há vários outros materiais, com propriedades distintas, e algo muito importante é fazer heteroestruturas. Combinamos grafeno com outros materiais bidimensionais para criar heteroestruturas. Ou seja, são combinações de materiais distintos, com propriedades diferentes, que podem ser desenhadas para obter algo novo. Do ponto de vista industrial, este é um momento em que estamos indo para a indústria, levando esses materiais para o dia a dia das empresas. E não estamos só no carbono. Há vários outros materiais com grande potencial de aplicação industrial, como o nitreto de boro. A potencialidade científica e tecnológica desses novos materiais combinados é enorme. Partindo de materiais bidimensionais, construímos estruturas com propriedades muito diferentes. São materiais transversais industrialmente, alguns são isolantes, outros são condutores ou semicondutores. Quando olhamos para frente, vemos que a disrupção vai aparecer, já está começando, tanto a disrupção científica quanto a tecnológica. Vou dar um exemplo. Muita gente falava que tem pouca coisa para fazer de pesquisa básica em grafeno, mas aí vem um professor do MIT e pega uma camada de grafeno, coloca outra camada em cima e roda. Isso se chama twisted bilayer graphene. Quando ele fez isso, achou um ângulo muito específico em que a estrutura se torna supercondutora. Abriu um outro universo. Não tem limite, as possibilidades são infinitas.
FCW Cultura Científica – Temos no Brasil bons exemplos de pesquisa em materiais avançados, ainda que poucos. Do que o país precisa para não ficar para trás em uma área tão importante para o desenvolvimento científico e tecnológico?
Thoroh de Souza – Temos que estar mais atentos. Eu vejo que no Brasil a ciência é boa. Ela poderia ser muito melhor, mas é uma ciência boa, com muitos bons cientistas. Temos exemplos do que funciona bem, como a Fapesp, que é uma entidade que precisa ser reverenciada e copiada, porque funciona muito bem. A nossa indústria já foi muito forte e agora está voltando a crescer novamente. A proximidade entre ciência e indústria é um dos elementos que vai fazer com que a gente consiga converter o conhecimento científico em riqueza para o bem da sociedade. Precisamos crescer e a participação ativa da indústria no desenvolvimento científico tem que ser fomentada porque não é linear. Você faz um esforço e o resultado é pequeno, faz novo esforço o resultado continua pequeno, mas não pode parar de investir. Se parar, perderemos o momento em que faremos um esforço e o resultado será explosivo, uma explosão positiva que permitirá a disrupção, a quebra de paradigma e o desenvolvimento científico e tecnológico.
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