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Entrevista

Elson Longo

Coordenador do CDMF explica porque o futuro será movido por semicondutores, destaca aplicações desses materiais funcionais e a importância de o país investir em pesquisa e desenvolvimento na área. Várias aplicações já estão chegando ao mercado, em spin-offs do centro que dirige na UFSCar

Sobre

Professor emérito e titular do Departamento de Química da UFSCar e diretor do Centro para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), apoiado pela Fapesp e pelo CNPq a partir do INCT dos Materiais em Nanotecnologia. É professor honoris causa da Universidade Federal da Paraíba.

Fez a graduação em Química pela Unesp (1969), mestrado em Físico-Química pela USP (1975) e doutorado em Físico-Química pela USP (1984). É membro da World Academy of Ceramics, da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Suas principais linhas de pesquisa são nanotecnologia, filmes finos, materiais cerâmicos, materiais luminescentes, refratários e sensores. Ocupa o primeiro lugar no Brasil e na América Latina do ranking do AD Scientific Index 2023 na área de química. Orientou e co-orientou mais de 170 teses e dissertações. Mantém forte intercâmbio com instituições nacionais e internacionais de pesquisa na Espanha, França, Estados Unidos e Itália.

FCW Cultura Científica – O que busca o Centro para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), que o senhor dirige?

Elson Longo – O CDMF tem como objetivo principal avançar na produção de materiais funcionais e nanoestruturados para atender às novas necessidades da sociedade, encontrando soluções em três questões principais emergentes: energia renovável, saúde e sustentabilidade. Os materiais que desenvolvemos são principalmente semicondutores, com as mais variadas possibilidades de aplicação na eletrônica. Há uma enorme gama de materiais com que trabalhamos. Um exemplo é o óxido de titânio, que era utilizado principalmente pela indústria de pigmentos mas que não precisa ter apenas essa função. O óxido de titânio é um composto semicondutor que pode ser empregado como bactericida. Os semicondutores são materiais funcionais. Eles podem ter muitas funções, dependendo de como são sintetizados, de como são trabalhados. Outro exemplo é o quartzo, ou melhor, o óxido de silício, que pode ter as propriedades alteradas para ser usado em um processador. O que fazemos é controlar as propriedades dos materiais funcionais ao aplicar uma densidade maior ou menor do que chamamos de defeitos. Ao colocar defeitos no material, ele vai mudando e adquirindo propriedades completamente diferentes. Você passa a ter algo com valor agregado muito maior. Os Estados Unidos estão investindo mais de US$ 200 bilhões e a Europa mais de US$ 150 bilhões no desenvolvimento de semicondutores. China e Índia também investem pesadamente, porque o futuro será movido por semicondutores. Os chips mais modernos são semicondutores. Se o mundo quiser obter mais energia limpa utilizando fótons da luz solar, o que você vai usar? Semicondutores. Matar bactérias para proteger a saúde das pessoas? Vamos usar materiais semicondutores. No CDMF, construímos um equipamento que irradia elétrons para mudar totalmente a propriedade de materiais, porque os elétrons causam desordem, principalmente na superfície. Em um material já bactericida, fazemos esse tratamento com elétrons e ele se torna nove vezes mais bactericida. Também estamos irradiando materiais com lasers de femtosegundos, que é 10 elevado a menos 15 – quadrilionésimo de segundo. A matéria está parada, você irradia e os fótons mudam as propriedades dela. A ideia é obter uma nova geração de semicondutores a partir de partículas, que são elétrons ou fótons. Um artigo que publicamos sobre irradiação por laser de femtossegundos foi o mais lido em 2022 da revista Physchem. O interesse é grande por ser uma área muito promissora. 


FCW Cultura Científica – Que aplicações podem ser pensadas para esses materiais funcionais?

Elson Longo – Podemos pensar em absolutamente tudo, mas vamos falar de alguns exemplos. A agricultura tem grandes problemas com bactérias e fungos. Em colaboração com pesquisadores da Espanha, estamos desenvolvendo semicondutores para matar fungos e bactérias. Em vez de o agricultor aplicar um fertilizante tradicional, ele usará um semicondutor. Isso vai eliminar o uso de defensivos agrícolas que afetam a saúde humana, pois o semicondutor só vai acabar com os fungos e as bactérias que estão ali no terreno. Outro exemplo, hoje em dia uma grande preocupação nas cidades é a segurança, não apenas por causa de roubos mas para preservação da própria vida. Podemos instalar sensores nas casas que vão alertar em caso de incêndio ou de vazamento de gás. Estamos desenvolvendo semicondutores para identificar monóxido de carbono, gás altamente tóxico e que pode matar. Estive por duas vezes na Argentina para mostrar a deputados e senadores a importância de se colocar esses sensores nas casas no país, porque morrem em média 200 pessoas por ano na Argentina intoxicadas com monóxido de carbono. Lá o aquecimento a gás é mais comum do que no Brasil, que usa mais eletricidade. E já temos todo o sistema de proteção. Inclusive, tem duas empresas japonesas que estão acertando conosco uma parceria para colocar nos equipamentos deles o nosso sensor. Vai custar US$ 8 dólares cada sensor, que será ligado a um sistema que corta o gás quando identifica a presença do monóxido de carbono. Com isso, você poderá ter em casa aquecimento a gás sem preocupação. 


FCW Cultura Científica – Outro exemplo é o filme plástico da Alpfilm, tecnologia desenvolvida pela Nanox, uma spin-off do CDMF. 

Elson Longo – É um produto que aumenta muito a vida dos alimentos. Você pode embalar, por exemplo, tomate ou morango, que são bem sensíveis, e eles vão durar semanas. Trata-se de um filme plástico transparente de PVC com micropartículas de prata e sílica. A prata faz com que a sílica, que é um semicondutor, produza moléculas oxidantes que evitam com que microrganismos afetem os alimentos. É uma inovação da Nanox, empresa criada pelo Gustavo Simões, que foi meu aluno de doutorado. Começamos colocando as micropartículas em secador de cabelo para matar vírus e bactéria e depois foi feita a aplicação em filmes plásticos, em colaboração com a Alpfilm e Braskem. Quando veio a pandemia do Covid-19, os testes mostraram que a sílica ativada pela prata metálica resultava na inativação de 79,9% do novo coronavírus em três minutos e de 99,99% em até 15 minutos. 


FCW Cultura Científica – O CDMF sempre teve grande preocupação com a aplicação dos resultados das pesquisas, em estimular inovações que possam chegar ao mercado?

Elson Longo – Essa preocupação vem de antes, com o Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (LIEC) aqui no Departamento de Química da UFSCar. Junto com José Arana Varela e Luís Otávio de Sousa Bulhões, da Unesp, criamos o LIEC em 1988 como um laboratório interdisciplinar, com uma forma diferente de ver os materiais cerâmicos. Nós estruturamos a parte teórica e a parte experimental, unimos a eletroquímica com a cerâmica, dando ênfase em magnetismo, em áreas que não eram prioritárias na cerâmica. Conseguimos fazer uma cerâmica diferente, uma cerâmica teórica experimental. Com isso, adquirimos conhecimentos diferentes do que a maioria dos pesquisadores tinha na época, tanto é que fomos convidados a visitar a Companhia Siderúrgica Nacional. Fui com o Varela e em Volta Redonda nos informaram do problema grave que estavam tendo. Um grupo de engenheiros do Japão, que estava atuando na CSN porque o Japão era um dos líderes em siderurgia, disse que teria que derrubar um queimador cerâmico por causa de uma grande corrosão. Aquilo representaria um prejuízo enorme. Pedimos algum tempo para analisar o problema. Em uma siderúrgica há muito óxido de ferro, na forma de nanopartículas no ar. Descobrimos que essas partículas estavam entrando no queimador cerâmico, reagindo com a sílica e formando um silicato de ferro. Como tinham um ponto de fusão menor do que a temperatura no local, então pingava e escorria pelo queimador. Resolvemos o problema instalando um sistema que não deixava entrar óxido de ferro no queimador cerâmico. A partir dali, modificamos todos os refratários da CSN. Todos. Isso porque o gusa, que sai da redução do minério de ferro no alto forno, é básico e os refratários eram ácidos. Ácido e base, não era à toa que havia acidentes com os carros-torpedo, usados para transportar o ferro gusa. O carro torpedo então furava em uma temperatura de 1700 graus e causava desastres, matava gente, isso em todo o mundo, não só no Brasil. Nós mudamos o refratário da CSN para magnésia-carbono e nunca mais houve acidentes. Colocamos base com base, com corrosão mínima. E o tempo de vida de um carro torpedo, que era em torno de quatro meses, passou a ser de dois anos. Em pouco tempo a CSN, que tinha 25 carros torpedo em Volta Redonda passou a ter 11. Acabaram vendendo a tecnologia para vários países. Quem perdeu foram os Estados Unidos, onde todos os refratários eram ácidos e eles não têm grandes minas de magnésia. O Brasil se tornou o líder em refratários básicos, porque temos óxido de magnésio em grande quantidade.


FCW Cultura Científica – Isso deu início a uma longa relação de seu grupo com a CSN. 

Elson Longo – São dezenas de projetos em uma parceria que continua. Há muitos anos, quando quase ninguém falava de conservação do meio ambiente, começamos com a CSN uma iniciativa para lidar com a escória, que não tinha uso e era acumulada em Minas Gerais. Fizemos um projeto para transformar algo que era tratado como lixo em solo-cimento para asfalto. Aquilo representou uma enorme mudança de mentalidade, ao mostrar que os resíduos não deveriam ser jogados fora, pois representavam novos negócios. É fundamental desenvolver ideias para reutilizar produtos. Hoje, o Brasil é o país que mais vende óxido de ferro para a indústria eletrônica, mas antes a carepa que sobrava da produção de aço era considerada lixo. Agora, aquela carepa de óxido de ferro é tratada e fica com praticamente zero de impureza, o que para a indústria eletrônica é extremamente importante. Essa longa colaboração com a CSN mostra o quanto a universidade pode melhorar o nosso país. Depois, colaboramos com a White Martins, viabilizando fornos de vidro com aproveitamento de 100% do oxigênio aplicado, sem perda. Colocamos também oxigênio nos fornos que produzem cerâmicas de revestimento. Com isso, eliminamos o problema conhecido como "coração negro" das peças cerâmicas, aumentado em 12% a produção desse material. Fomos também a Porto Ferreira e Pedreira, que são duas cidades paulistas que produzem muita cerâmica. Orientamos os produtores a obter argila com bom balanço de material orgânico e sílica, a mudar de forno elétrico para forno a gás e a padronizar processos industriais. Hoje, os produtos cerâmicos dessas cidades têm qualidade internacional. Com a professora Ruth Cardoso, falecida esposa do professor Fernando Henrique, fizemos um projeto em que percorremos 15 estados, auxiliando produtores de artesanato de cerâmica, melhorando as condições de produção desse pessoal. Quando você vê que aquilo que levou anos de pesquisa e de muito trabalho em laboratório resulta em benefícios para a sociedade, para o país, é uma alegria muito grande. 


FCW Cultura Científica – Como a inteligência artificial tem impactado a pesquisa em materiais cerâmicos? 

Elson Longo – Deverá ter um impacto importante, mas para melhorar realmente um produto ou criar algo novo precisamos do que? Precisamos de ideias. E a inteligência artificial usa o que já existe, então não tem criatividade. É um componente facilitador valioso, mas não é um elemento que vai substituir o cientista nem suas ideias. É como no jornalismo. Você pode usar a inteligência artificial para escrever uma reportagem, mas vai ficar boa, vai ficar melhor do que a feita por um jornalista com experiência? Não, porque o jornalista reúne informações e cria algo novo. 


FCW Cultura Científica – Uma boa comparação porque de jornalismo o senhor entende, pois foi jornalista antes de ser cientista. Poderia falar sobre isso?

Elson Longo – Foi nos anos 1960, quando não precisava ter um curso para ser um jornalista. Você trabalhava cinco anos em rádio ou jornal, comprovava e recebia do Ministério do Trabalho a carteira de jornalista. Nasci em São Paulo, no bairro do Pari, e comecei a trabalhar cedo, aos 11 anos, com um ourives no Brás. No ano seguinte, meu pai, que era militar da antiga Força Pública, foi deslocado para Presidente Prudente, e eu acabei entrando na Rádio Prudente, atendendo o telefone. Saía da aula e ia para lá. Aos 14 anos, comecei a anotar o que acontecia na polícia. Depois virei foca, acompanhava o repórter e carregava o pesado gravador de rolo. Passei a trazer notícias também da prefeitura e da Câmara Municipal. Aos 15 anos, virei repórter da rádio, passei para a Rádio Record de Presidente Prudente e pela Rádio Piratininga. Depois me chamaram para escrever para o jornal O Imparcial, o maior na região. Ali cheguei até secretário de redação, a segunda pessoa do jornal. Então veio a ditadura militar e ficou difícil exercer a profissão de jornalista independente. Como eu era de esquerda, inclusive era secretário do PSB em Presidente Prudente, para fugir da repressão meu pai me mandou para São Paulo, onde fui vender banana no Mercado Municipal. Chegando em São Paulo fiquei um tempo com o José Arana Varela no Crusp [Conjunto Residencial da USP]. O Varela é de Martinópolis, perto de Prudente, fizemos o secundário juntos. Inclusive trabalhamos juntos para o Shimazu, um amigo nosso, vendendo doces na região. Foi o Varela que me convenceu a entrar na universidade. Eu estava ganhando um bom dinheiro com a venda de banana, consegui até comprar um Fusquinha. Quando fui aprovado em química na Unesp em Araraquara, deixei o carro com o Varela e ele usava quando ia me visitar. Foi uma amizade de longa data, Varela sempre foi como um irmão para mim. 


FCW Cultura Científica – Como o senhor, que foi responsável pela formação de muitas dezenas de pesquisadores, vê a nova geração de cientistas na área de materiais? 

Elson Longo – Vou falar do nosso laboratório. Aqui quem não trabalha não fica, nós mandamos embora. No primeiro dia já chego para o aluno e digo “todas as dúvidas que você tiver eu estarei à sua disposição, a qualquer hora, de segunda a domingo – com exceção de quando tiver jogo do Corinthians. Mas eu quero produção”. Depois de seis meses, vemos o que o aluno produziu e sabemos o quanto ele ou ela podem produzir. Se não produziu a contento, damos uma chance, fica mais um tempo no laboratório, mas se continuar nesse ritmo, mandamos embora. Não pode fazer como muitos, que querem fazer química com o celular, só ficam olhando o celular, vendo as redes sociais, e não produz. Fazer ciência exige muito suor, muito trabalho.


FCW Cultura Científica – O senhor falou dos grandes investimentos na área de materiais que países como Estados Unidos e China têm feito. Como está o Brasil nesse cenário? 

Elson Longo – Infelizmente temos muitos dirigentes que consideram um saco de soja mais importante do que um chip. Não estou desmerecendo a agricultura, longe disso, mas estamos esquecendo de investir em tecnologia. Temos soja mas não temos celular. Veja a Coreia do Sul, que investiu muito em ensino e na inovação tecnológica. Eles vendem muito chip, processadores e celulares, aparelhos de alto valor agregado. O agronegócio é importante, mas hoje a tecnologia é mais importante. Estamos em um mundo tecnológico. No futuro não muito distante, teremos carros elétricos com painel em cima inteiro de semicondutor, que usará os fótons da energia solar para converter em elétrica. Nas casas no futuro, ninguém vai comprar energia elétrica, porque terá um sistema instalado para obtenção da energia que precisar. Hoje, não usamos nem 0,01% dos fótons que chegam aqui na Terra. Quando passarmos a usar 2% ou 3%, vamos resolver o problema da falta de energia. O mundo não precisará mais usar material fóssil para isso. São apenas exemplos, mas o importante é  entender que precisamos investir em tecnologia. São Paulo é um estado líder no país no investimento em ciência e tecnologia, porque contamos com uma instituição extremamente importante chamada Fapesp, que investe todas as vezes em que há uma necessidade de conhecimento. Mas precisamos de mais investimentos em pesquisa, por todo o país.










 



Revista FCW Cultura Científica v. 1 n 4 novembro 2023 - janeiro 2024

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