Elisabete de Gouveia Dal Pino
Professora do IAG-USP fala sobre os eventos mais energéticos do universo, explica como será o Cherenkov Telescope Array e destaca a era dos multimensageiros, na qual cientistas podem estudar simultaneamente fótons, neutrinos, raios cósmicos e ondas gravitacionais para revelar detalhes do nascimento das galáxias
Sobre
Elisabete Maria de Gouveia Dal Pino é professora titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Integra o projeto do Cherenkov Telescope Array (CTA) e coordena a participação brasileira no ASTRI Mini-Array, um precursor do CTA.
Foi membro do Comitê Diretor da Divisão de Matéria Interestelar da União Astronômica Internacional, do Comitê Executivo e Consultivo do Projeto LLAMA (Long Latin American Millimeter Array), da campanha de descoberta de planetas extrassolares Gemini/Nici e do Planck Satellite Consortium, para estudos cosmológicos de campos magnéticos cósmicos. Foi também representante da União Astronômica Internacional no Comitê Diretor de Astropartículas da União Internacional de Física Pura e Aplicada (Iupap). Recebeu o Prêmio Claudia de Mulher na Ciência em 2017. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 2020 e da World Academy of Sciences (TWAS-Unesco) desde 2023.
Fez doutorado e mestrado em Astronomia pela USP e pós-doutorados na Universidade Harvard e na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. Foi pesquisador associado no Centro Internacional de Física Teórica de Trieste (ICTP, Itália) e professor visitante nas universidades de Princeton e Wisconsin (Estados Unidos), Autônoma do México, Pisa (Itália), Jerusalém (Israel) e nos observatórios de Nice e Paris-Meudon (França), e Arcetri e Bolonha (Itália), entre outros.
Tem experiência em astrofísica de altas energias e plasmas, com ênfase em computação numérica de alto desempenho em magnetohidrodinâmica, com aplicações em astrofísica de objetos compactos, meio interestelar, astrofísica extragaláctica e cosmologia, e no estudo de processos fundamentais como física ao redor de buracos negros, aceleração e propagação de raios cósmicos, turbulência e origem de campos magnéticos cósmicos.
FCW Cultura Científica – Professora Elisabete, o que estuda a astrofísica de altas energias?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – A astrofísica de altas energias estuda os eventos mais energéticos do universo, que são eventos que produzem raios gama. Entre eles estão os gamma-ray bursts, ou surtos de raio gama, tão poderosos que liberam em um único segundo mais energia do que o Sol produzirá durante toda a sua existência. Os raios gama são produzidos, por exemplo, em uma estrela que entrou em colapso ou em um sistema binário que colapsou para formar um buraco negro. Esses eventos ejetam jatos de partículas relativísticas, que interagem com campos magnéticos, fótons e partículas de energia mais baixa produzindo emissão em raios gama. A emissão em raios gama ocorre em vários outros eventos e os maiores emissores estão associados a uma classe de núcleos ativos de galáxias que produzem jatos apontando para a nossa linha de visada. Como esses jatos são compostos por gás ionizado permeado por campos magnéticos, temos um casamento perfeito para produzir partículas relativísticas que vão decair parcialmente e produzir raios gama e também neutrinos.
FCW Cultura Científica – Quão energéticos são os raios gama e quais faixas do espectro eletromagnético são de interesse para as pesquisas?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – A radiação gama ocupa uma faixa ampla da parte mais energética do espectro eletromagnético. Com os instrumentos astronômicos atuais, somos capazes de observar o universo em todos os comprimentos de onda, em rádio, infravermelho, óptico, raio X e mais recentemente em raios gama. Em nossos estudos, lidamos sobretudo com energias que partem da casa do GeV (gigaelétron-volt), ou seja, bilhões de elétron-volts, até a janela mais extrema do universo aberta recentemente, que vai a centenas de TeV – 1 TeV é 10 elevado a 12 ou um trilhão de elétron-volts. Essa janela de centenas de TeV foi aberta com os tanques Cherenkov, que capturam a radiação Cherenkov vinda do universo. O Cherenkov Telescope Array (CTA) será um grande arranjo de telescópios que captam radiação Cherenkov.
FCW Cultura Científica – Os raios gama produzidos no espaço são absorvidos na atmosfera e não chegam à superfície da Terra. Como os telescópios Cherenkov fazem para estudar essa radiação? Elisabete de Gouveia Dal Pino – Os raios gamas que vêm do espaço, por exemplo, do plano da nossa galáxia, interagem com as moléculas da atmosfera e decaem em pares de partículas carregadas, elétrons e pósitrons [antipartículas do elétron]. Essas partículas subatômicas são relativísticas, viajam com velocidade maior que a velocidade da luz no meio causando uma espécie de onda de choque, que excita as moléculas da atmosfera produzindo uma radiação azulada que é a radiação Cherenkov. Essa radiação se estende por uma área mais “larga” do que o detector de um único telescópio, por isso é importante ter arrays [arranjos] com vários telescópios Cherenkov, de modo a poder capturar e reconstruir o chuveiro de partículas e a direção e energia do raio gama.
FCW Cultura Científica – Quais são atualmente os telescópios usados para detectar raios gama?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – Temos o Telescópio Espacial de Raios Gama Fermi-LAT, que, por estar fora da atmosfera, é capaz de capturar a radiação diretamente em seu detector. Na superfície, temos alguns observatórios que permitem estudar a radiação gama com telescópios Cherenkov, que são o Veritas, no Arizona (Estados Unidos), o MAGIC, nas Ilhas Canárias (Espanha), e o HESS, na Namíbia. Além desses, há os observatórios com tanques Cherenkov, o LHAASO, na China, e o HAWC no Novo México. O HESS, entre os observatórios com telescópios Cherenkov, é atualmente o maior, mas será suplantado pelo ASTRI Mini-Array e pelo CTA. Junto com o HESS, o LHAASO já está revolucionando a astrofísica de altas energias. O LHAASO, principalmente, têm baixo poder de resolução e os tanques são fixos, porém têm uma sensibilidade muito elevada para as energias mais altas, nas centenas de TeV. Por conta disso, eles abriram uma janela do universo até então desconhecida, ajudando na identificação de possíveis pevatrons, que são as fontes mais energéticas da nossa galáxia, produzindo partículas relativísticas com energias na casa dos petaeléctron-volts, milhões de bilhões de eléctron-volts.
FCW Cultura Científica – Como será o Cherenkov Telescope Array (CTA)?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – O CTA é a próxima geração de observatórios Cherenkov. Terá um arranjo com cobertura nos hemisférios Norte e Sul, permitindo olhar para o céu em todas as direções, apontando para o centro da galáxia no hemisfério Sul e para fora no hemisfério Norte. O sítio no norte estará em La Palma, nas Ilhas Canárias, Espanha, e já está em construção. O sítio do sul, no Chile, está sendo preparado. O CTA terá uma sensibilidade 10 vezes maior do que a dos observatórios em raios gama atuais e terá uma resolução angular que chegará a minutos de arco, o que é algo inédito. A cobertura irá de 20 GeV, que é a baixa energia do espectro em raios gama, até centenas de TeV. O CTA terá uma resposta muito rápida, de 30 segundos, o que permitirá apontar os telescópios e fazer uma detecção rapidamente.
FCW Cultura Científica – Diferentemente dos telescópios ópticos, que podem observar um objeto no espaço por longos períodos de tempo, para estudar as emissões de alta energia o intervalo de tempo pode ser muito curto. Como são feitas as observações?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – Às vezes temos eventos com duração um pouco mais longa, mas geralmente são flares [erupções], eventos mais explosivos e rápidos. Um flare é uma explosão de rápida variabilidade que pode estar associada a jatos que emanam dos núcleos ativos de galáxias ou da própria região nuclear, ou seja, do fluxo do material acretado para o buraco negro. Há mais de 20 anos, publicamos um artigo sobre essa aceleração das partículas produzindo altas energias no fluxo (ou disco) de acreção em torno de um buraco negro. Na época, foi considerado um absurdo, mas hoje estamos observando isso, raios gama associados a esses discos de acreção. É muito difícil que esses raios gama escapem dali, que não sejam absorvidos pelo sistema produzindo pares elétron-pósitron ali dentro mesmo. No caso do CTA, como a resposta e a sensibilidade serão muito rápidas, poderemos apontar imediatamente para fenômenos com alta variabilidade, como ondas gravitacionais que acabaram de ser identificadas pela Colaboração Virgo, por exemplo. Podemos mover o arranjo (ou parte dos telescópios do arranjo) na direção da onda gravitacional para procurar as contrapartidas eletromagnéticas; apontamos os telescópios e capturamos os chuveiros de partículas para reconstruir sua distribuição e construir imagens. Imagens, não simplesmente contornos, mas realmente imagens de fontes extensas como remanescentes de supernovas e jatos relativísticos.
FCW Cultura Científica – Poderia falar sobre o estudo dos multimensageiros?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – Sim, estamos na era dos multimensageiros, na qual podemos estudar simultaneamente quatro mensageiros que vêm do espaço: fótons (em particular, os raios gama), neutrinos e raios cósmicos (partículas relativísticas), além das ondas gravitacionais. Eles podem ser produzidos pelas mesmas fontes, mas são mensageiros distintos. Em fontes de alta energia, o mais fácil de observar é o raio gama. O neutrino é muito difícil de capturar e o raio cósmico muda muito de direção pois interage com os campos magnéticos à medida que viaja pelo cosmos. Quando temos, por exemplo, um jato relativístico escapando de um buraco negro, à medida que esse jato se propaga, os prótons e elétrons relativísticos decaem, produzindo píons, pares elétron-pósitron, múons e neutrinos. Para produzir ao mesmo tempo raios gama e neutrinos são necessários prótons ou íons. Os léptons, ou seja, elétrons e pósitrons, não produzem decaimento em píons que vão por sua vez produzir neutrinos. Então, quando você tem no espaço uma fonte que produz neutrinos, sabemos que ali tem prótons. Até recentemente, não tínhamos como saber se esses jatos eram somente leptônicos, só de pósitrons e elétrons, ou se eles também continham prótons. Em 2017, tivemos um evento de neutrinos associado a um jato relativístico, denominado TXS 0506+056, que ficou bem famoso porque verificaram um pico de neutrino seguido por um pico em raios gama com duas semanas de separação. Nós reproduzimos isso em uma simulação, reconstruindo a curva espectral desse evento e usando um modelo de aceleração distinto da aceleração em choque. É um modelo de aceleração que ocorre nas zonas magneticamente dominantes desses jatos. Quando eles emergem do núcleo do buraco negro, esses jatos são magnetizados, ou seja, o spin do buraco negro transfere energia diretamente às linhas de campo magnético que vêm dos arredores e que estão imersas no gás do disco de acreção. Essas linhas de campo magnético então produzem um fluxo que é hipermagnetizado e é esse campo magnético que precisa dissipar a energia de alguma forma e transferir isso acelerando partículas.
FCW Cultura Científica – Como ocorre essa aceleração?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – A aceleração de partículas pelo fenômeno de reconexão magnética foi objeto, em 2005, de um artigo que publiquei com Alex Lazarian, da Universidade de Wisconsin em Madison. No trabalho, propusemos que raios cósmicos de ultra-alta energia e a emissão de altas energias por eles produzida, poderiam ser principalmente prótons acelerados em locais de reconexão magnética no disco de acreção em torno do buraco negro de um microquasar. Hoje, há muita gente estudando esses processos para explicar fenômenos superenergéticos associados ao entorno de buracos negros em diferentes classes de fontes. E, tal como nos discos de acreção, também o jato, quando sai do buraco negro, é um evento muito magnetizado. A energia liberada pela reconexão das linhas magnéticas no jato é capaz de acelerar as partículas, que começam a emitir e decair em outras partículas que produzirão raios gama e neutrinos, conforme temos verificado em simulações numéricas recentes.
FCW Cultura Científica – Os multimensageiros também foram objeto de um artigo que vocês publicaram recentemente.
Elisabete de Gouveia Dal Pino – Sim, nessa linha de estudo dos multimensageiros, publicamos em 2023 um artigo na Nature Communication com o resultado da tese de um dos meus alunos – que agora está no pós-doutorado no Gran Sasso Science Institute – onde pesquisamos a emissão difusa de raios gama produzidos por aglomerados de galáxias no universo em grande escala, desde redshift 5. Combinando simulações cosmológicas magneto-hidrodinâmicas e simulação de Monte Carlo da propagação de raios cósmicos, também produzimos neutrinos, ou seja, todo o espectro, de ponta a ponta, dos três mensageiros. No estudo, nossa hipótese de trabalho foi que os próprios aglomerados de galáxias que contêm todas as populações de aceleradores de partículas, como jatos relativísticos de galáxias ativas e galáxias com surtos de formação poderiam ser os responsáveis por essas emissões difusas. Reconstruímos o fluxo de raios cósmicos, de neutrinos e de raios gama por meio de simulações. O estudo foi importante também por indicar o potencial de observação que será aberto com o CTA.
FCW Cultura Científica – O Observatório Cherenkov terá mais de 60 telescópios com tamanhos diferentes. Por que essa variação em tamanho?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – Nas Ilhas Canárias, na Espanha, e no Chile, o CTA terá telescópios com três tamanhos distintos, cada um mais sensível a uma determinada faixa energética. No Chile, o arranjo deverá ter de um a quatro telescópios gigantescos no centro, que vão capturar raios gama mais distantes. Esses raios, que poderão ter saído, por exemplo, do jato de um blazar ou de um quasar da época da formação dos primeiros objetos e das primeiras galáxias, viajaram por muito tempo até chegar à Terra e, nessa viagem, as partículas secundárias desses raios muito energéticos foram decaindo por causa da interação com a radiação cósmica de fundo em microondas. Ao interagir com essa radiação, ocorre o decaimento dos raios gama em partículas, pares elétron-pósitrons, e a radiação vai perdendo sua energia. Então, esses raios gama muito distantes, que ficaram menos energéticos, serão capturados nos pratos (ou espelhos) gigantescos, com 23 metros de diâmetro, dos telescópios no centro do arranjo do CTA. Os telescópios com prato de tamanho intermediário, com 12 metros, ficarão em volta do corpo central e capturarão raios gama de energias intermediárias, enquanto que os de prato menor, de 4 metros, estarão distribuídos em todo o arranjo e serão mais numerosos, para capturar as emissões mais energéticas que incidem na superfície da Terra numa área muito maior.
FCW Cultura Científica – E o que é o ASTRI Mini-Array?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – O Mini-Array é a nossa menina dos olhos, porque o nosso grupo do IAG-USP, de Astrofísica de Plasmas e Altas Energias (GAPAE), participa diretamente de sua construção em Tenerife, nas Ilhas Canárias. O Mini-Array vai ficar pronto antes do CTA e terá nove telescópios do tipo SST [small size telescope], que são protótipos dos que serão construídos no CTA. Toda a estrutura mecânica será igual no CTA. O nosso protótipo foi o escolhido dentro da colaboração do CTA e, por conta disso, hoje temos dois engenheiros que são os únicos no Brasil que sabem construir um telescópio Cherenkov por completo, do detector até a base. O ASTRI Mini-Array terá uma resolução angular muito maior do que a do LHAASO e o HAWC. Permitirá observar fontes energéticas na casa das centenas de TeV e poderá ajudar a determinar a natureza misteriosa das diversas fontes aceleradoras detectadas recentemente por esses instrumentos que são incapazes de resolver bem tais fontes (os pevatrons) devido à baixíssima resolução angular desses observatórios LHAASO e HAWC. O que está produzindo esses raios gama? Não sabemos, pode ser um aglomerado de estrelas massivas ou um sistema binário começando a colapsar, ou mesmo um remanescente de supernova ou um pulsar embebido em um halo extenso. Não conseguimos ver com esses detetores atuais, pois a resolução angular não permite. Sabemos que tem alguma coisa na direção que produziu um sinal em centenas de TeV que o LHAASO observou, por exemplo, mas não sabemos o que é. Com o Mini-Array pronto, poderemos apontar para esses candidatos enigmáticos e teremos resolução angular e campo de visão suficientes para ver o que produz tais emissões de raios gama de altíssimas energias.
FCW Cultura Científica – Qual é a previsão para o ASTRI Mini-Array entrar em operação?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – Deverá ficar pronto em 2025. Três telescópios já estão prontos, um deles completamente instalado. O que estava atrasando o projeto é a câmera detetora, que estava sendo testada na Itália. Mas depois do primeiro completamente instalado, com a curva de aprendizado adquirida na construção e instalação da primeira unidade, o projeto passa a andar mais rapidamente.
FCW Cultura Científica – Temos o CTA, o GMT (Giant Magellan Telescope), o ELT (European Extremely Large Telescope), o LLAMA e outros grandes projetos de observatórios terrestres com previsão de entrar em funcionamento nos próximos anos. O que isso significa para a astronomia e astrofísica?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – É uma revolução e isso é só a pontinha do iceberg. É algo que está em pleno andamento, pois temos surveys [levantamentos] espetaculares sendo realizados no mundo com novos instrumentos. E temos instrumentos que estão sendo desenvolvidos para serem acoplados aos novos telescópios e aos telescópios espaciais. É uma revolução que ocorre também na teoria, nas simulações numéricas, que é uma das especialidades do meu grupo de pesquisa. Fazemos simulação numérica de alta performance, magneto-hidrodinâmica, e isso também está sendo impulsionado com as GPUs [unidades de processamento gráfico]. Estamos saindo da computação de alta performance em CPUs para GPUs. Os equipamentos estão barateando. Tenho, por exemplo, um aluno que está fazendo doutorado sanduíche com um colaborador em Princeton, em um projeto de simulação numérica de disco de acreção, do fluxo de acreção em torno de buracos negros, que envolve simulações tridimensionais GRMHD (general relativistic magneto-hydrodynamics), relatividade geral com magneto-hidrodinâmica. O objetivo é investigar a formação do mecanismo de reconexão magnética, que permite a liberação de energia magnética muito rapidamente para acelerar partículas no entorno do buraco negro, como havia explicado anteriormente. As simulações numéricas em GPUs permitem estudar partículas que são aceleradas a velocidades relativísticas por causa de eventos de reconexão das linhas de campo magnético no jato de fundo. As linhas do campo magnético são retorcidas por uma instabilidade que desenvolveu turbulência e essa turbulência induz reconexão magnética das linhas. Esse processo em que as linhas de polaridade oposta se conectam e se aniquilam, é um processo que libera muita energia e, nesses sítios, as partículas são capturadas e sofrem um processo estocástico de aceleração de Fermi. Esse mesmo processo que estudamos em computadores, em simulações tridimensionais GRMHD de altíssima resolução, é o que achamos que ocorre em discos de acreção e também nos jatos no entorno de um buraco negro. O artigo sobre a simulação do jato relativístico saindo de uma galáxia ativa com um buraco negro supermassivo (um blazar) no qual aceleramos as partículas teste até velocidades relativísticas, por reconexão magnética, foi publicado em 2023 no Astrophysical Journal e ganhou uma resenha na Nature Astronomy.
FCW Cultura Científica – Poderia falar sobre o estudo da natureza da matéria escura, que é um dos maiores mistérios atuais da astronomia e será objeto do CTA?
Elisabete de Gouveia Dal Pino – A matéria escura é bem difícil de medir, mas a ideia é que ela é formada por wimps. Estes são um dos candidatos possíveis de partículas de matéria escura e estão de acordo com o modelo padrão do universo Lambda-CDM. Os wimps, só interagem com a matéria bariônica via gravidade, porém a física de partículas prevê que os wimps colidem e produzem radiação gama nesse processo. A secção de choque para esse processo é mensurável em energias gama. É por isso que o telescópio espacial Fermi tenta obter essa secção de choque, ou seja, tenta obter indiretamente algum sinal de matéria escura. O Cherenkov Telescope Array terá maior sensibilidade para medir matéria escura no halo da nossa galáxia.