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Entrevista

Beatriz Barbuy

Professora do IAG-USP e ex-vice-presidente da União Astronômica Universal fala sobre o trabalho no projeto do maior telescópio do mundo, o Extremely Large Telescope, a importância do James Webb, a contínua relevância do Hubble e como os grandes projetos em astronomia têm ampliado e mudado o conhecimento sobre o universo

Sobre

Beatriz Leonor Silveira Barbuy é professora titular no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Coordena a parte brasileira da construção do espectrógrafo MOSAIC a ser instalado no Extremely Large Telescope (ELT) do European Southern Observatory (ESO).

Foi vice-presidente da União Astronômica Internacional, onde também presidiu a Divisão IV. Participou em comitês de programas de observação do Telescópio Espacial Hubble, do ESO e do telescópio Gemini. Coordenou projetos do Instituto do Milênio para Evolução de Estrelas e Galáxias na Era dos Grandes Telescópios e a construção de espectrógrafo para o telescópio SOAR.

Foi pesquisadora visitante no Lick Observatory, no Institute for Astronomy em Cambridge, no ESO em Garching bei Munchen e no Chile, e no Observatório de Paris. É bacharel em Física pelo Instituto de Física da USP, com mestrado em Astronomia pelo IAG-USP e doutorado pela Université de Paris VII/Observatório de Paris.

FCW Cultura Científica – Professora Beatriz, poderia comentar o momento atual da astronomia e da astrofísica, com grandes projetos sendo desenvolvidos e descobertas que ampliam e mudam o conhecimento sobre o universo? 

Beatriz Barbuy Há uns 20 anos, participei, em uma reunião da União Astronômica Internacional, de uma sessão sobre grandes projetos que, na época, foram encarados com incredulidade de tão complexos e ambiciosos. Hoje, aqueles grandes telescópios que vi na reunião estão sendo planejados e construídos com cronograma de lançamento para esta década e a próxima. São todos muito importantes, pois há muito a descobrir sobre o universo, como a energia escura e a matéria escura, do qual sabemos quase nada mas que são questões grandes e importantes demais para permanecerem desconhecidas. Quando entrei na astrofísica, no fim da década de 1970, era mais teoria, pois havia poucos instrumentos. Agora, a área é totalmente dominada pelo observacional, há poucos astrofísicos fazendo somente teoria. E isso se deve principalmente porque temos muito a descobrir observando, como vimos no fim de 2023 com o Telescópio Espacial James Webb. Até então, quem imaginaria que teríamos buracos negros formados tão cedo, menos de 500 milhões de anos após o Big Bang? E isso faz com que se questione a própria idade do universo. Eu mesma estou estudando com meu grupo  aglomerados globulares formados na parte central da Via Láctea logo em seu início e nossos cálculos indicam idades de 13,5 bilhões de anos para alguns deles, quer dizer, teriam se formado bastante rapidamente depois do Big-Bang. Só que a idade do universo é assumida como sendo de 13,8 bilhões de anos, em cálculo feito a partir da radiação cósmica de fundo em microondas por medidas com o satélite Planck. Há artigos, atualmente, que perguntam se o universo poderia ser mais velho. Certamente teremos outros grandes impactos a partir do que será observado com a ajuda do James Webb e dos novos telescópios.  


FCW Cultura Científica – Tem se falado muito no James Webb, com razão, mas e o telescópio espacial Hubble, continua sendo importante?

Beatriz Barbuy Certamente. O Hubble produz imagens de uma qualidade que não tem igual no óptico, além de espectros no ultravioleta, e é o único instrumento com essa capabilidade. Ele não foi e nem será substituído pelo James Webb, pois são complementares. O James Webb foi desenhado para fazer astronomia no infravermelho e o Hubble opera no óptico e no ultravioleta, além do infravermelho. O Hubble continua permitindo fazer trabalhos científicos de altíssima qualidade. Estamos muito animados com a nova política dos observatórios, em que a análise do projeto é feita sem que os examinadores saibam quem escreveu. Portanto, se o projeto é muito bom, será aprovado, mesmo que os autores não façam parte dos países que financiam o instrumento. Há entendimento de que a prioridade é a qualidade científica do projeto.

FCW Cultura Científica – Falando em Hubble, é importante dizer que os novos projetos de telescópios não implicam que os atuais terminarão. Como está o uso do Gemini e do SOAR, que desde o início foram muito importantes para a comunidade astronômica internacional, inclusive a brasileira?

Beatriz Barbuy Sim, todos esses equipamentos continuam importantes. O Gemini tem um problema para nós, brasileiros, que é o pouco tempo de observação, temos cerca de 6%. Tenho vários alunos e ex-alunos que dizem que está muito difícil conseguir tempo no Gemini. Muitas propostas têm sido recusadas e, mesmo que sejam aprovadas, é difícil conduzir um projeto com apenas uma hora ou menos de observação a cada ano. No SOAR, como o Brasil é o sócio com 31% do tempo de observação, há alguns grupos fazendo surveys [levantamentos], eu mesma estou participando de um deles. O SOAR está fazendo muito bem o seu papel e vai fazer ainda mais, porque agora vai receber um novo instrumento de alta resolução espectral. Há ainda muita coisa a fazer com esses telescópios e acredito que a pressão vai aumentar com esse novo instrumento no SOAR. Não se precisa do ELT para observar uma estrela de um certo brilho que pode ser observada em um telescópio de 4 metros. 



FCW Cultura Científica – O que será o Extremely Large Telescope (ELT) e o que permitirá estudar

Beatriz Barbuy O ELT está sendo construído no Deserto do Atacama, no norte do Chile, e será o maior telescópio em luz visível e em infravermelho do mundo, com um espelho primário de 39 metros de diâmetro. A previsão é que comece a funcionar em 2028. O ELT e o GMT [Giant Magellan Telescope], os dois maiores projetos de telescópios terrestres em desenvolvimento atualmente, são complementares, porque o GMT vai operar mais no óptico e o ELT tanto no óptico como no infravermelho. Por operar no infravermelho e ter equipamentos para o estudo por espectroscopia, o ELT permitirá observar o universo primordial. No ELT, estamos participando do desenvolvimento do MOSAIC, um espectrógrafo multiobjeto que permitirá medir a luz e observar grandes amostras de objetos ao mesmo tempo. 


FCW Cultura Científica – Poderia falar mais sobre o MOSAIC e sobre o trabalho que estão realizando

Beatriz Barbuy Com entrada em operação prevista para 2032, pois é instrumento de segunda fase da primeira geração de instrumentos do ELT, o MOSAIC deverá ser o equipamento mais eficiente para realizar medidas de acompanhamento espectroscópico dos chamados objetos mais fracos, que são originários da época de reionização e das primeiras galáxias. O MOSAIC conterá vários espectrógrafos, permitirá observar objetos muito distantes e será importante para o que se chama de follow-up, seguir observando objetos descobertos pelo James Webb, por exemplo. Além de estudos no universo primordial, com o MOSAIC poderemos fazer também imageamento para procurar planetas ou ver uma estrela que esteja caindo no buraco negro do centro da galáxia, por exemplo. Nosso grupo brasileiro está fazendo a plataforma de apoio do instrumento, que inclui o roteador. É um roteador bem complexo porque, diferentemente dos telescópios equatoriais, que acompanham o movimento da Terra, o ELT é altazimutal e, além do movimento da Terra, tem os movimentos do telescópio a seguir ao observar o objeto. Então, o rotator tem que acompanhar todos esses movimentos e, para isso, usa umas fórmulas bem complicadas. Estamos também participando da parte de fibras ópticas com o pessoal do Laboratório Nacional de Astrofísica, que é especialista nisso. Eles fizeram um protótipo da saída das fibras para a fenda que vai receber a luz, algo que precisa ser extremamente preciso. Como o MOSAIC é multiobjeto, quando um grupo vai observar, precisa ter a carta do céu e escolher onde é que estão os objetos que quer estudar. Para isso, haverá um robozinho que seguirá a carta com coordenadas de grande precisão até o ponto onde se irá observar cada objeto e colocará ali uma fibra óptica. Essa automação é muito complexa e demanda extrema precisão. Há grupos de Oxford e da École Polytechnique Fédérale de Lausanne trabalhando nisso e um pessoal do Laboratório de Automação e Controle da Escola Politécnica da USP, que está no nosso projeto, montará um protótipo e fará a simulação computacional desses robôs. 


FCW Cultura Científica – Como você vê o cenário atual na astronomia e astrofísica no Brasil

Beatriz Barbuy Melhorou muito, há 40 anos era muito fraco. Quando entrei na astronomia só havia três doutores no IAG. Quando eu voltei da França, em 1982, todos os meus colegas que ficaram ainda não tinham defendido o doutorado. Havia muitos orientados para poucos orientadores e ainda não havia o ambiente científico que tem hoje. Para mim, foi crucial ter feito o doutorado fora do país. Sempre trabalhei muito, sacrifiquei muita coisa, o que foi necessário e importante pois evita eventuais preconceitos contra as mulheres. Mas hoje está indo bem, porque quem faz astronomia gosta muito do que faz. Se você faz o que gosta, vai aplicar todo o esforço que puder. Os professores e pesquisadores no IAG continuam trabalhando bastante, pois mesmo com a pandemia o número de artigos se manteve. Um problema com a pandemia foi que diminuiu o número de teses defendidas, porque estava todo mundo em casa, não é a mesma coisa orientar e motivar alunos por videoconferência. Então, muitos atrasaram a defesa, mas isto está sendo recuperado, e o ritmo das pesquisas continua elevado.


FCW Cultura Científica – Poderia dar outros exemplos de novas pesquisas que está conduzindo?

Beatriz Barbuy Uma das propostas que acabamos de submeter envolve a criação de elementos pesados. Depois do ferro, os elementos químicos somente são criados por adição de nêutrons no interior de estrelas ou em supernovas e essa acreção de nêutrons pode ser devagar, quando ocorre durante a evolução estelar, mas pode ser rápida. Neste caso, há uma chuva de nêutrons e um átomo absorve um monte de nêutrons em seguida e forma, por exemplo, o elemento európio, que é um típico elemento formado pela acreção rápida de nêutrons. Não sabemos qual é o objeto onde ocorre o processo responsável por esse outro processo, chamado de processo-r. Em 2017, quando detectaram ondas gravitacionais naquela coalescência de dois buracos negros, ao mesmo tempo identificaram a criação de elementos pesados no espectro do objeto, mas ainda não sabemos em que porcentagem tais objetos são importantes para a formação dos elementos-r. Na minha área de interesse específico tem também a questão do lítio. Deveria haver um valor primordial para esse elemento químico, mas o que se observa em estrelas muito velhas é um valor inferior ao previsto teoricamente. Provavelmente, isso é um processo no qual estrelas muito velhas destroem aos poucos o lítio na sua superfície, mas isso não está ainda completamente demonstrado. Na astronomia, os estudos vão avançando em paralelo e são muitas as fronteiras. Não é, por exemplo, como na física de partículas, com milhares de cientistas atrás da medição de uma partícula com experimentos gigantescos, o que também é importante, mas na astronomia você tem inúmeras fronteiras, e tudo o que se faz está na fronteira do conhecimento, o que torna a área empolgante. 


FCW Cultura Científica – Uma fronteira que está sempre expandindo e abrindo novos mistérios e desafios. 

Beatriz Barbuy Outra frente de pesquisa são os exoplanetas, procura-se encontrar planetas parecidos com a Terra. O estudo das galáxias primordiais é mais um importante objetivo. Ao estudarmos os objetos mais distantes estamos vendo a emissão de galáxias quando elas estavam nascendo. Quando vemos que isso ocorreu há mais de 13 bilhões de anos, falamos que foi pouco tempo após o Big Bang. Mas e quando observamos uma estrela aqui em nosso quintal, aqui na Via Láctea, e verificamos que ela tem 13,5 bilhões de anos? Ela está próxima e formou-se no universo primordial, é o que chamamos de cosmologia de campo próximo. Matéria escura é outro importante desafio e é algo que podemos descobrir, provavelmente mais facilmente, com os grandes experimentos de física de partículas, do que desvendar a física da energia escura. Com a pujança da astronomia brasileira, falta-nos mais acesso a instrumentos importantes, pois há perda de talentos nessa área.


 



Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.4 Dezembro 2024 - Fevereiro 2025

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