A expansão do universo conhecido
O que são matéria escura e energia escura, que juntas compõem 95% de todo o universo? Há vida em outro planeta? Como é formado um buraco negro? Novos observatórios e tecnologias emergentes ampliam os limites do conhecimento do universo
Sobre
À medida que celebramos os 100 anos da descoberta de Hubble e refletimos sobre o incrível progresso da astronomia e da astrofísica desde então, verificamos que estamos apenas começando a arranhar a superfície de um universo ainda com muito a descobrir
A Via Láctea, onde estão o Sistema Solar e seus planetas, é apenas uma entre centenas de bilhões de galáxias que existem no universo. Com cerca de 87,4 mil anos-luz de diâmetro em seu maior eixo, há dezenas de galáxias conhecidas muito maiores, entre elas a ESO 383-76, com 1,7 milhão de anos-luz de diâmetro.
Mas isso é o que se sabe hoje. Durante toda a história humana a Via Láctea foi vista de modo bem diferente. Seu próprio nome vem do grego “galaxías kýklos” (“leitoso círculo”), ou seja, a Via Láctea era sinônimo de galáxia, a única. Foi assim na Antiguidade, passando pela Idade Média, Renascentismo, Iluminismo, Modernismo e pelos maiores nomes da astronomia e da física, como Galileu, Copérnico, Descartes, Newton, Kepler e muitos outros.
A Via Láctea permaneceu única até a década de 1920. Sim, há apenas cem anos a galáxia onde se encontra a Terra era sinônimo de universo. Todo o universo estava contido na Via Láctea e vice-versa. Havia quem pensasse diferente, tanto que em 26 de abril de 1920, o Museu Nacional de História Natural, em Washington, realizou um encontro que ficaria conhecido como o Grande Debate. O tema, a natureza das chamadas nebulosas espirais e o tamanho do universo, foi discutido por dois astrônomos, Harlow Shapley e Heber Curtis. O primeiro acreditava que essas nebulosas eram relativamente pequenas e ficavam nos arredores da Via Láctea. Para ele, todo o universo estava contido na Via Láctea, incluindo, por exemplo, a nebulosa espiral de Andrômeda. Curtis achava que as duas seriam galáxias independentes e que a Via Láctea não era tão grande como se imaginava, sendo apenas parte de um universo muito maior.
O Grande Debate terminou em empate, mas foi resolvido pouco tempo depois, em 1924, quando Edwin Hubble, a partir de observações feitas no ano anterior, mostrou, de uma só vez, que Andrômeda era outra galáxia, que o universo tinha um sem número de outras galáxias e que, ainda por cima, estava em expansão, aumentando a cada momento.
Hubble identificou variáveis cefeidas, comparando sua luminosidade aparente com sua luminosidade intrínseca, calculando as distâncias até a Terra. Encontrou cefeidas em várias então chamadas nebulosas, como Andrômeda e Triângulo. Hubble calculou que Andrômeda, por exemplo, estava a cerca de 900 mil anos-luz da Terra, ou mais de nove vezes o tamanho que então se estimava para a Via Láctea. Não era uma nebulosa, mas outra galáxia. A Via Láctea não estava sozinha.
A grande descoberta de Hubble só foi possível por ele ter usado o maior telescópio do mundo na época, o Hooker, instalado no Observatório Monte Wilson, na Califórnia, com um espelho de 2,5 metros de diâmetro. Com o Hooker, Hubble mudou fundamentalmente a visão humana sobre o universo, expandindo e abrindo caminho para novas gerações de astrônomos e astrofísicos.
Os telescópios cresceram e se espalharam pelo planeta. Cresceram ainda mais e passaram a locais específicos, com características altamente favoráveis para sua instalação e funcionamento, como o deserto do Atacama no Chile, Mauna Kea no Havaí e as Ilhas Canárias, da Espanha.
Um dos maiores e mais importantes observatórios atualmente é o Keck, em Mauna Kea, que foi proposto em 1977 e entrou em funcionamento 13 anos depois. Telescópios são instrumentos altamente complexos, “são obras de arte”, como diz o professor Laerte Sodré Jr., e levam bastante tempo para serem construídos. Por conta disso, há cerca de 20 anos se lançou a ideia de construir a próxima geração de grandes observatórios, que agora estão sendo desenvolvidos para serem inaugurados nesta década e na próxima.
Entre os novos projetos científicos, que mudarão o conhecimento e a concepção sobre o universo, estão o Giant Magellan Telescope (GMT), o European Extremely Large Telescope (ELT) e o Cherenkov Telescope Array (CTA).
O GMT terá uma resolução excepcional, capaz de capturar detalhes nunca antes vistos em galáxias distantes, permitindo estudos detalhados de sua formação e evolução ao longo do tempo cósmico. O ELT será o maior telescópio do mundo, capaz de detectar exoplanetas em torno de estrelas próximas e analisar as atmosferas desses mundos distantes em busca de sinais de vida. Composto por uma rede de telescópios terrestres nos hemisférios Norte e Sul, o CTA será capaz de mapear o universo em busca dos fenômenos mais energéticos do cosmos, ampliando o conhecimento sobre os processos físicos que governam o universo.
O Brasil faz parte dos três projetos, que são explicados nesta edição de FCW Cultura Científica pelos professores Laerte Sodré Jr., Beatriz Barbuy e Elisabete Dal Pino.
Assim como na época de Edwin Hubble, a concepção sobre o universo continua mudando. Mistérios antigos permanecem, novos entram em cena e o que se achava conhecido pode não ser. Há vida em outro planeta? Como é formado um buraco negro e o que há dentro dele? O que são matéria escura e energia escura, que juntas compõem 95% de todo o universo? A idade do universo é 13,8 bilhões de anos, contados a partir do Big Bang? Descobertas recentes indicam galáxias que se formaram quando não poderiam ter sido formadas, implicando um universo mais velho
À medida que celebramos os 100 anos da descoberta de Hubble e refletimos sobre o incrível progresso da astronomia e da astrofísica desde então, verificamos que estamos apenas começando a arranhar a superfície de um universo ainda com muito a descobrir. Com os novos observatórios e tecnologias emergentes, estaremos prontos para ampliar os limites do nosso conhecimento cósmico. O que está por vir promete redefinir nossa compreensão do universo e da nossa própria existência.