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Conservação da biodiversidade

Entrevista

Adalberto Fazzio

Coordenador do INCT Materials Informatics explica o que são os isolantes topológicos, materiais quânticos que podem levar à criação de produtos com maior valor tecnológico e econômico, e fala sobre a formação da nova geração de pesquisadores na Ilum Escola de Ciência, da qual é diretor

Sobre

Diretor da Ilum Escola de Ciência e coordenador do INCT Materials Informatics, é professor titular aposentado do Instituto de Física da USP, pesquisador 1A do CNPq e professor honoris causa da UFABC. Foi reitor da UFABC, membro do Conselho Superior da Capes, secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

Foi chefe do Departamento de Física dos Materiais e Mecânica e diretor do Instituto de Física da USP. Ocupou os cargos de secretário, secretário-geral, vice-presidente, presidente e conselheiro da Sociedade Brasileira de Física.

É membro da Academia Brasileira de Ciências, dos conselhos do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer e Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e do conselho do Instituto de Estudos Avançado e Estratégico da UFSCar. Em 2006, recebeu a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 2010, foi promovido à Classe da Grã-Cruz. Em 2013, foi eleito membro da The World Academy of Sciences.

FCW Cultura Científica – O que são os materiais avançados? 

Adalberto Fazzio – A engenharia e o desenvolvimento de materiais avançados não são novos. Há mais de 3 mil anos, o cobre e o estanho eram conhecidos e se descobriu que ao misturar os dois o resultado seria um novo material, o bronze. Isso é um exemplo de material avançado. Você tem o conhecimento de um material e quer dar a esse material alguma propriedade ou função específica. É uma das atividades mais importantes para a sociedade, porque tudo está baseado em material, seja na física, química, biologia ou em qualquer outra área. Costumo brincar que a nossa interação com a matéria ocorre porque queremos descobrir o que os elétrons estão fazendo. Na física, buscamos novos fenômenos, na biologia vamos investigar o DNA e assim por diante. 


FCW Cultura Científica – Poderia falar sobre a sua principal área de pesquisa? 

Adalberto Fazzio – Sou um físico teórico. Minha área de pesquisa é a área teórica de materiais. Quando comecei, estudávamos as ações externas sobre os materiais: temperatura, pressão, campo elétrico, campo magnético etc. Depois, houve uma grande evolução do ponto de vista experimental que foi a criação de novos materiais. Quando falamos de ciência de materiais na área da física, estamos falando de matéria condensada. Hoje, na física brasileira e mundial, 50% dos físicos experimentais e teóricos trabalham com física da matéria condensada. Na época da Segunda Guerra Mundial havia muita física nuclear, muita física de partículas,  ainda tem, mas a área de física da matéria condensada teve um impacto muito grande, porque incluiu fenômenos e descobertas importantíssimas, como o transistor, o Efeito Hall Quântico, a teoria microscópica da supercondutividade etc.


FCW Cultura Científica – O que busca a ciência de materiais? 

Adalberto Fazzio – Busca novos materiais, com novas propriedades. Para isso, temos contado com a invenção e aplicação de diversas tecnologias, como o microscópio eletrônico, o microscópio de tunelamento, a epitaxia por feixe molecular, a computação e a inteligência artificial. Tudo isso revolucionou e tem revolucionado a área de materiais. Hoje, quando as empresas investem elas vão atrás da área de novos materiais, buscando novas funções. Seja material para energia, para defesa, para o meio ambiente, saúde, remediação de água. A área de materiais é extremamente interdisciplinar, tem físicos, químicos, engenheiros e cientistas da computação. O conhecimento permite transformar materiais em novos produtos, com maior valor tecnológico e econômico. No Brasil, na década de 1970, lembro de um único curso de engenharia de materiais e ciência de materiais, em São Carlos. Hoje, temos mais de 60 cursos e 30 pós-graduações em ciência dos materiais. Estamos falando de 7 mil vagas, sem contar os físicos e químicos ligados nessa área.


FCW Cultura Científica – O senhor coordena um projeto de pesquisa que estuda a interface entre materiais, incluindo propriedades eletrônicas, magnéticas, estruturais e de transporte. O projeto envolve especialmente o estudo de isolantes topológicos. O que são esses materiais?

Adalberto Fazzio – Isolantes topológicos fazem parte dos chamados materiais quânticos. Antes do isolamento do grafeno por Andre Geim e Kostya Novoselov, em 2004, os cientistas não acreditavam na existência de um material bidimensional. Hoje, temos um número grande e crescente de materiais bidimensionais, como os isolantes topológicos. O que é um isolante? Um isolante é um material que não conduz eletricidade, ele tem um gap de energia. Você aplica um campo e ele, como não tem estado para ser ocupado, não vai conduzir a corrente. Por outro lado, metais como o cobre são condutores de eletricidade. Isolante e condutor são estados eletrônicos da matéria, bem fundamentados pela mecânica quântica. Em 2005, Charles Kane e Eugene Mele mostraram que há uma outra ordem não trivial da matéria, diferente dos conhecidos metais e isolantes. São os isolantes topológicos, materiais que apresentam o corpo (bulk) isolante e a superfície metálica. E se for um material bidimensional seria isolante e uma borda metálica. São chamados topológicos por causa da topologia, ramo da matemática que estuda a estrutura dos objetos sem se preocupar com seu tamanho ou formato. Um isolante topológico não pode passar para o estado isolante a não ser a partir do estado metálico. As suas bordas são condutoras e protegidas. Ainda que tenha defeitos, a corrente vai passar sem ser importunada. Os estados metálicos são protegidos contra defeitos e impurezas, ou seja os elétrons não são espalhados. Se tiver um defeito, eles vão passar por esse defeito sem nenhuma perturbação, a única perturbação que os afeta é o campo magnético. Isso é um isolante topológico. Fiz uma busca recentemente na internet e vi que há mais de 3 mil patentes no mundo com isolantes topológicos, a maioria para dispositivos em eletrônica e spintrônica – onde o spin faz a eletrônica. Há materiais bidimensionais mas também há tridimensionais que apresentam propriedades dos isolantes topológicos. Em nosso projeto de pesquisa, buscamos estudar interfaces desses materiais com materiais triviais. Para isso, usamos muito de ciência de dados, pois envolve cálculos computacionais pesados.


FCW Cultura Científica – Qual é o impacto da ciência de dados e da computação na pesquisa e desenvolvimento de materiais? 

Adalberto Fazzio – Extremamente importante. Estamos em meio a uma verdadeira revolução tecnológica do ponto de vista de materiais. O desenvolvimento de materiais vive um novo paradigma, baseado na integração da ciência de dados a diversos campos de pesquisa. Nos Estados Unidos, o governo Obama lançou e investiu bilhões de dólares no Materials Genome Initiative (MGI), para descoberta e desenvolvimento de materiais envolvendo ciência de dados intensiva, ou seja, aprendizado de máquina, inteligência artificial e high throughput (computação de alto rendimento). Tudo isso para estudar novos materiais, para acelerar processos de desenvolvimento. O mundo está olhando para isso e os Estados Unidos estão correndo porque viram que a China já estava andando mais rápido do que os outros na pesquisa em materiais. Qualquer país que queira aproveitar as vantagens econômicas e sociais dos novos materiais deve estar atento a essa nova forma de fazer ciência, que envolve o uso de tecnologias computacionais para a descoberta de novos materiais e de novas propriedades.


FCW Cultura Científica – E o Brasil, como está nesse cenário?

Adalberto Fazzio – Vamos falar de inteligência artificial aplicada à pesquisa de materiais, algo hoje fundamental. Costumo usar uma frase que não é minha: o cientista não precisa saber machine learning (aprendizado de máquina), mas se não souber vai perder emprego para quem sabe. Pois bem, nossos pesquisadores têm publicado bons trabalhos sobre isso, mas de modo geral o Brasil não está bem. Precisamos de mais dados e precisamos armazenar e organizar eficientemente esses dados, o que não temos feito. Hoje, usamos dados sobre materiais que estão armazenados em repositórios nos Estados Unidos e na Europa, mas por quanto tempo poderemos fazer isso? Materiais são estratégicos e representam vantagens econômicas. E o dia em que decidirem fechar a torneira, barrando o acesso aos dados? Aí acabou. 


FCW Cultura Científica – Poderia falar sobre o INCT Materials Informatics, que o senhor coordena e que utiliza novos recursos computacionais na pesquisa com novos materiais?

Adalberto Fazzio – A proposta do INCT Materials Informatics é descobrir novos materiais com propriedades avançadas, incluindo isolantes topológicos e materiais estratégicos. Um dos principais objetivos é o treinamento de estudantes para atuarem futuramente no setor produtivo aumentanto o valor agregado dos materiais. Vamos criar bancos de dados em materiais ou compostos que considerarmos prioritários. Por exemplo, se decidirmos pela perovskita, que poderá vir a ser muito importante na produção de células solares, reuniremos muitos dados sobre este mineral, de modo a poder usá-lo e modificá-o para produzir células mais eficientes. Pretendemos atuar em spintrônica, em busca de materiais que se mostrem importantes para a indústria eletrônica. Temos também uma parte bem fundamental, que é aprender mais sobre inteligência artificial gerada por dados teóricos. A partir de um conjunto de dados, treinamos o computador para buscar uma determinada propriedade. Por exemplo, queremos descobrir materiais isolantes topológicos ainda desconhecidos. Para isso, selecionamos um conjunto de dados daqueles que são topológicos e daqueles que não são e inserimos um grande volume de informações no computador. Haverá muito erro nas alternativas resultantes, é claro, mas com a inteligência artificial ganhamos bastante tempo, fornecendo informações ao pesquisador experimental para executar a síntese do material.


FCW Cultura Científica – O uso da inteligência artificial na pesquisa e desenvolvimento de materiais oferece riscos?

Adalberto Fazzio – Não vejo risco, acho que é o contrário, uma vez que a busca se faz pelo desenvolvimento de materiais melhores em termos de problemas como consumo de energia, impacto na saúde ou degradação do meio ambiente. O risco que vejo é, falando do Brasil, perder novamente o bonde da história. Costumamos fazer a pesquisa, passar pelo TRL [escala de maturidade tecnológica] de 1 a 4, mas depois vem o "vale da morte", a hora da demonstração, e não chegamos na aplicação e no mercado. Se não transferirmos o conhecimento adquirido nos laboratórios para nossas empresas, se os setores industriais não apoiarem a nossa pesquisa, se o governo não incentivar a pesquisa e a inovação tecnológica, aí sim o risco é grande. Temos que ter a pesquisa básica fundamental juntamente com a inovação tecnológica. Temos que ter mais pesquisa orientada, em áreas e temas estratégicos. Por exemplo, no CNPEM [Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais] temos um grupo que usa um material conhecido há muito tempo, a hematita, fazendo deste óxido de ferro um material avançado a partir da dopagem. O objetivo é criar um material para quebrar a molécula de água e produzir hidrogênio. É o chamado hidrogênio verde, uma fonte de energia extremamente limpa e renovável. 


FCW Cultura Científica – Para não perder o bonde da história, o país também precisa investir mais em educação em ciência, de modo a formar mais cientistas. Nesse sentido, uma das mais importantes iniciativas é a Ilum, que o senhor dirige. Poderia contar quais são os principais objetivos dessa Escola de Ciência?

Adalberto Fazzio – Para formar cientistas, a Ilum apresenta algo inédito no Brasil: um projeto pedagógico integrador com abordagem interdisciplinar em um ambiente que estimula o aperfeiçoamento. Oferecemos um curso de Bacharelado em Ciência de três anos, que reúne ciências da vida, ciências da matéria, ciências de dados, linguagem matemática e humanidades. Teremos em 2024 a terceira turma e a formatura da primeira, em um curso em tempo integral. Os alunos ficam das 8 às 18 horas na escola, com muita atividade experimental, além da imersão nos sofisticados laboratórios do CNPEM. É um currículo interdisciplinar que não tem matérias eletivas, todas as disciplinas estão conectadas (ciência da vida, ciência da matéria, ciência de dados, linguagem matemática e humanidades). Os alunos aprendem a dialogar com cientistas das mais diversas áreas e aprendem também sobre ética na pesquisa, sobre como a pesquisa impacta a sociedade, sobre desenvolvimento tecnológico, como é a política cientifica no Brasil e em outros países. Depois, os formandos poderão fazer mestrado ou doutorado na área que escolherem. 


FCW Cultura Científica – A Ilum também tem uma grande preocupação em oferecer aos alunos conhecimento em ciência de dados. 

Adalberto Fazzio – Sim, sem dúvida. Eles têm muita data science, eles fazem trabalhos incríveis com isso, usando por exemplo big data e aprendizado de máquina para resolver problemas. Eles têm teoria e prática. Vão em laboratórios do CNPEM fazer um experimento, reúnem um conjunto de dados e depois usam esses dados em algoritmos. Outro diferencial da Ilum é obviamente a interação com os pesquisadores do CNPEM e o fato de que desde o primeiro semestre eles se inserem em ambiente de laboratório.






 





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