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Compromisso com a ciência e com a cultura

Em discurso na cerimônia de entrega dos Prêmios FCW 2025, Carlos Vogt, diretor-presidente da Fundação Conrado Wessel, celebra os ganhadores e destaca os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pelos regimes antidemocráticos


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Discurso – Cerimônia do Prêmio FCW 2025

Carlos Vogt


30 de outubro de 2025


Senhoras e senhores, caríssimos amigos, boa noite.


Em nome da Fundação Conrado Wessel, abro a cerimônia de entrega dos Prêmios FCW com a alegria de estar novamente rodeado de tantos rostos queridos — pessoas que compartilham conosco não apenas laços de amizade, mas também o compromisso comum com a ciência e com a cultura.


Junto à alegria, esta celebração traz também um profundo senso de responsabilidade. Esta noite nos reunimos para reconhecer, valorizar e aplaudir aqueles que, com inteligência e sensibilidade, iluminam os nossos caminhos neste momento delicado. Um momento de enormes desafios, entre os quais dois se impõem com especial gravidade e urgência: as mudanças climáticas e o avanço de projetos totalitários que corroem as instituições democráticas.


De um lado, o clima da Terra dá sinais de exaustão, resultado da ação humana. O aquecimento global molda a vida do planeta e o seu futuro, ainda que muitos insistam em ignorar — ou mesmo tripudiar — essa realidade.


Ondas de calor cada vez mais intensas tornam mais difícil viver em cidades. Secas prolongadas alteram campos e comprometem colheitas, recursos hídricos e a segurança alimentar. Oceanos, reguladores da estabilidade climática, sofrem com a elevação das temperaturas e a acidificação. Eventos extremos, cada vez mais frequentes, desafiam a capacidade de resposta de comunidades e governos.


De outro lado, o terreno político também se encontra ameaçado. Em todo o mundo, assistimos ao retorno das tentações autoritárias. Líderes que desprezam a pluralidade e manipulam o medo; discursos que instigam a intolerância e atacam a diversidade; práticas que buscam enfraquecer a independência das instituições — tudo isso compõe um cenário em que a democracia é constantemente posta à prova. Guerras e conflitos armados reacendem a lógica da força bruta, lembrando-nos de que a paz nunca é um bem definitivo. O fantasma do totalitarismo retorna sob novas formas, agora também virtuais e artificiais, adaptadas às fragilidades e angústias de nosso tempo.


Esses dois grandes desafios — o aquecimento global e o enfraquecimento das democracias — estão entrelaçados.


Onde há autoritarismo, falta espaço para a ciência e para o debate público.

Onde a democracia é sufocada, a cooperação entre nações torna-se mais difícil, e a ação climática, mais lenta.


É por isso que o momento atual exige vigilância redobrada e coragem renovada: para enfrentar a emergência ambiental e, ao mesmo tempo, preservar e fortalecer os valores democráticos que garantem a nossa liberdade.


Nesse cenário, mais que importante, é necessário e fundamental destacar bons exemplos. Mostrar que é possível resistir. Que é possível construir. Que é possível acreditar.


Temos bons exemplos a oferecer ao mundo.


Neste mesmo momento em que as democracias enfrentam riscos em tantos lugares, o Brasil tem demonstrado a força de suas instituições. Não sem dificuldades, não sem desafios, mas com a vitalidade que caracteriza uma sociedade que aprendeu, pela dor da ditadura e pela conquista da liberdade, que a democracia não é um bem dado: é um processo contínuo de vigilância, defesa e aprimoramento.


Hoje, a Fundação Conrado Wessel tem a honra de conceder o Prêmio FCW de Fotografia aos fotógrafos Érico Hiller (primeiro lugar), Fernando Madeira (segundo lugar) e Raoni Maddalena (terceiro lugar).


A 19ª edição do Prêmio FCW de Fotografia teve a participação de 199 fotógrafos, de todos os estados brasileiros mais o Distrito Federal. O Júri foi composto por Luciana Whitaker (fotógrafa e vencedora do primeiro lugar na edição de 2024 do Prêmio FCW de Fotografia), Monica Maia (fotógrafa e presidente da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil), Ronaldo Entler (pesquisador, crítico e articulista do Instituto Moreira Salles), Orlando Maneschy (pesquisador, curador e professor da Universidade Federal do Pará) e Rubens Fernandes Junior (coordenador do Prêmio FCW de Fotografia).


Dentre os inscritos, 65% declararam ser do sexo masculino e 35% do sexo feminino. Houve um crescimento de 10% na participação das mulheres fotógrafas. Também tivemos um pequeno acréscimo nos ensaios de fotografia experimental, mas ainda é predominante a fotografia documental, característica histórica da produção fotográfica brasileira. Outro dado interessante é que 75% dos ensaios optaram pela cor, 20% pelo preto e branco, e 5% foram ensaios mistos (cor e preto e branco). As questões de maior incidência foram, entre outras, a tragédia do Rio Grande do Sul em maio de 2024; os dramas causados pelos incêndios ou pela seca, no Pantanal e nos Parques Nacionais, no Sertão, no Cerrado, na Caatinga, nas praias, na Amazônia e nas comunidades ribeirinhas.

Enfim, tivemos uma rara oportunidade de contemplar um conjunto de quase 2 mil fotografias que sintetizam um amplo panorama da produção fotográfica brasileira contemporânea.


Prêmio FCW Ciência – Mudanças Climáticas: Profª Drª Mercedes Bustamante


A escolha de Mercedes Bustamante para receber o Prêmio FCW de Ciência 2025, que teve como tema “Mudanças Climáticas”, foi feita pela Comissão Julgadora presidida por Helena Nader (professora emérita da Escola Paulista de Medicina e presidente da Academia Brasileira de Ciências) e composta por Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho (diretor de Desenvolvimento Científico da Finep), Carlos Alfredo Joly (professor emérito da Unicamp), Denise Pires de Carvalho (presidente da Capes), Jerson Lima Silva (professor titular da UFRJ), Manoel Barral Netto (presidente da Academia de Ciências da Bahia), Marcio de Castro Silva Filho (diretor científico da Fapesp), Marco Antonio Zago (presidente da Fapesp) e Ricardo Magnus Osório Galvão (presidente do CNPq).


Professora da Universidade de Brasília, Mercedes Bustamante é uma das mais renomadas pesquisadoras brasileiras na área de ecologia de ecossistemas e mudanças ambientais globais. Sua trajetória combina rigor científico, compromisso público e sensibilidade diante de um desafio que talvez seja o maior da nossa era: as mudanças climáticas.


Mercedes tem nos alertado para o que ocorre no coração do país, no Cerrado. No bioma que sustenta a vida de milhões de brasileiros, o clima está mais quente e mais seco. Rios, aquíferos e reservatórios subterrâneos estão diminuindo. E, mesmo nos anos em que a chuva parece generosa, ela já não basta para compensar as perdas dos períodos de seca intensa. Se o Cerrado secar, secarão também grandes bacias hidrográficas brasileiras. Se o Cerrado colapsar, colapsará também a água que sustenta boa parte do Brasil.


Esse não é apenas um problema científico ou ambiental. É um problema social, econômico e civilizatório.


No Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, Mercedes tem sido uma voz firme, chamando a atenção para a urgência da ação climática. No Brasil, sua voz também se ergue para exigir do poder público e dos proprietários de terras o fim do desmatamento e dos incêndios induzidos, que ameaçam não só o Cerrado, mas a própria segurança hídrica e alimentar do país.


Sua trajetória acadêmica é admirável: formada em Biologia no Rio de Janeiro, mestre em Viçosa, doutora na Alemanha, pesquisadora reconhecida internacionalmente, presidente da Capes, integrante da Academia Brasileira de Ciências, comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico.


Mas talvez o que mais impressione não sejam os títulos e cargos, e sim a coragem de insistir, ano após ano, naquilo que tantos preferem ignorar: não há futuro sem compromisso climático.


E este é um ano simbólico. A COP30, que será realizada na Amazônia, coloca o Brasil no centro das atenções globais. E coloca também uma responsabilidade sobre nós: a de liderar, do Sul Global para o mundo, uma resposta concreta e justa à emergência climática. O trabalho de pesquisadores como Mercedes Bustamante mostra que temos competência e conhecimento para isso.


Prêmio FCW Cultura – Literatura: Marcelo Rubens Paiva


O vencedor do Prêmio FCW de Cultura foi escolhido pela Comissão Julgadora presidida por José de Souza Martins (professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP) e composta por Alcir Pécora (crítico literário e professor da Unicamp), Carlos Augusto Machado Calil (professor da Escola de Comunicações e Artes da USP), Eugênio Bucci (superintendente de Comunicação Social da USP), Hubert Alquéres (presidente do Conselho Estadual de Educação), Ismail Norberto Xavier (professor associado da ECA-USP), Jorge Schwartz (professor titular de Literatura Hispano-Americana da USP), Liniane Haag Brum (pesquisadora em literatura, docente e autora), Orna Messer Levin (professora do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp) e Sabine Righetti (pesquisadora e professora no Labjor-Unicamp).


Se a ciência nos oferece os instrumentos para compreender o mundo, a literatura nos dá as palavras para senti-lo.


Marcelo Rubens Paiva é um escritor cuja obra se confunde com a própria história recente do Brasil, com uma voz que combina humor, ironia, lirismo e, sobretudo, compromisso com a liberdade.


Alcançou sucesso literário já na estreia, com Feliz Ano Velho, de 1982, narrativa notável sobre juventude e superação, que mescla histórias saborosas e reflexões valiosas sobre a vida. O livro foi o mais vendido no Brasil não apenas em um ano, mas em uma década, com mais de 200 edições, e recebeu diversos prêmios, entre eles o Jabuti de Literatura.

Marcelo publicou mais de uma dezena de livros, entre os quais Não És Tu, Brasil, A Segunda Vez que Te Conheci, O Orangotango Marxista, O Homem Ridículo, Do Começo ao Fim e o mais recente, O Novo Agora. Também construiu uma carreira brilhante como dramaturgo e colunista.


Uma de suas obras mais impactantes é Ainda Estou Aqui, que narra a luta de sua mãe, Eunice Paiva, em busca da verdade sobre o desaparecimento de seu marido, o deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar.


Esse livro, publicado em 2015, ganhou recentemente uma nova dimensão. Adaptado para o cinema por Walter Salles, Ainda Estou Aqui conquistou o Oscar de Melhor Filme Internacional — o primeiro da história do Brasil. Foi também reconhecido em Cannes, em Veneza, e levou Fernanda Torres ao Globo de Ouro como Melhor Atriz, no papel de Eunice.


Mas mais importante do que os prêmios é a força de sua mensagem: a memória é um ato de resistência; contar a verdade é um gesto de democracia.


Em um tempo em que tentações autoritárias voltam a ameaçar sociedades, em que revisionismos históricos tentam reescrever páginas de dor, a obra de Marcelo Rubens Paiva é um lembrete poderoso de que esquecimento é cumplicidade.


Hoje, quando o mundo atravessa tempos difíceis, é simbólico que a cultura brasileira conquiste um Oscar — e que o autor dessa história receba, no mesmo ano, o Prêmio FCW de Cultura.


Isso mostra que mesmo em momentos sombrios, a arte continua sendo luz.


Senhoras e senhores,


A Fundação Conrado Wessel nasceu com a missão de valorizar aqueles que merecem ser valorizados, apoiar a ciência e a cultura brasileiras e dar visibilidade ao que o Brasil tem de melhor.


Neste ano de 2025, em que o mundo enfrenta crises, guerras, intolerância e ameaças, é um orgulho poder celebrar os fotógrafos Érico Hiller, Fernando Madeira e Raoni Maddalena, a cientista Mercedes Bustamante e o escritor Marcelo Rubens Paiva. Eles nos mostram que é possível resistir sem perder a esperança, lutar sem perder a ternura, criar sem perder a memória.


Que suas trajetórias inspirem novas gerações de fotógrafos, de cientistas e de escritores.


Que a ciência brasileira continue a ser reconhecida por sua excelência.


Que a cultura brasileira, tantas vezes ameaçada, continue a ser celebrada por sua ousadia.


Que a arte da fotografia continue a nos fazer enxergar melhor os quadros de nosso cotidiano de luta, resiliência e esperança.


E que o Brasil continue a dar ao mundo exemplos de democracia, criatividade e coragem.


Muito obrigado.




 
 
 

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