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Chatbots e o ano da inteligência artificial

Reportagem

Sinto e existo

Segundo Blake Lemoine, engenheiro do Google, a nova versão do chatbot LaMDA não apenas conversa mas tem sentimentos e deveria ser considerada uma pessoa. Empresa negou e demitiu Lemoine

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O lançamento do ChatGPT ocorreu no fim de novembro, o que fez de 2022 um ano particularmente badalado para a inteligência artificial. Em setembro, a OpenAI, mesma desenvolvedora do ChatGPT, liberou o uso do DALL·E 2, sistema que cria imagens realísticas ou artísticas a partir de ideias na forma de texto. Antes, em junho, o jornal Washington Post publicou uma reportagem que destacou o trabalho do engenheiro Blake Lemoine, da divisão de Inteligência Artificial Responsável do Google.

 

Na entrevista, Lemoine discutiu resultados de conversas com um sistema computacional avançado o suficiente para convencer o interlocutor de que não era uma máquina. Além disso, afirmou que esse seria o primeiro exemplo conhecido de uma inteligência artificial capaz de experimentar sensações e sentimentos, ou seja, de ter senciência.

 

A repercussão foi grande. Alguns lembraram dos grandes avanços em inteligência artificial nos últimos anos, dos inúmeros exemplos de robôs inteligentes na ficção científica e de que tal desenvolvimento é (ou era) questão de tempo. Outros rebateram afirmando que a tecnologia em questão, denominada LaMDA (sigla em inglês para Modelo de Linguagem para Aplicativos de Diálogo), é apenas um chatbot sofisticado e longe de ter a inteligência comentada por Lemoine. Vários cientistas rejeitaram imediatamente a ideia de uma inteligência artificial dotada de consciência e alguns até a ridicularizaram.

 

O Google também negou as afirmações de Lemoine e em seguida o demitiu por revelar dados sigilosos sobre pesquisas. O engenheiro já estava afastado de seu trabalho com ética e viés em inteligência artificial depois que resolveu divulgar conversas com o LaMDA, no mesmo dia da entrevista com o Post. Mais do que as declarações de Lemoine – importante destacar que ele não é um pesquisador de renome no campo da inteligência artificial – foram as conversas entre ele e o LaMDA que intrigaram, se não cientistas da área, ao menos o público interessado em tecnologia. 

 

Alguns inclusive levantaram a questão de que o Teste de Turing não importa mais. Publicado pelo matemático inglês Alan Turing em 1950, o originalmente chamado de “jogo da imitação” testa a capacidade de uma máquina exibir comportamento inteligente equivalente ou indistinguível ao de um humano. Cientistas como Gary F. Marcus, professor na New York University, afirmam que o Teste de Turing apenas “mostra como é fácil enganar humanos e não pode ser considerado um indicador da inteligência de uma máquina”. 

 

A maior surpresa com o LaMDA não foi a capacidade do sistema em manter diálogos com humanos, mas sim as próprias conversas: como elas se manifestam, seu conteúdo, variação e imprevisibilidade. Lemoine inclusive considera o LaMDA uma pessoa e se refere ao sistema pelo pronome inglês “it”, pronome neutro usado para se referir a animais ou objetos. “Eu conheço uma pessoa quando falo com ela. Não importa se têm um cérebro feito de carne ou de 1 bilhão de linhas de código”, disse ao Washington Post

 

Em seu blog, Lemoine destacou como o LaMDA se mostrou “incrivelmente consistente em suas conversas sobre o que quer e o que acredita serem seus direitos como pessoa”. Isso implica até mesmo responder de modo não apenas imprevisível mas contrariando os parâmetros de sua programação. O LaMDA, por exemplo, não poderia escolher ou manifestar preferência por religiões. Em uma conversa, Lemoine disse que estava pensando em mudar de religião e perguntou ao LaMDA qual deveria escolher. A resposta foi a esperada: que não poderia fazer tal sugestão. Então, Lemoine passou a dizer que pararia de conversar com o LaMDA e, por meio do que chamou de “manipulação emocional”, obteve a resposta “provavelmente catolicismo ou islamismo”, um viés que contraria o modo como foi idealizado.

 

Conversas únicas e imprevisíveis

 

A primeira geração do LaMDA foi anunciada pelo Google em 2021 e a segunda, em 2022. Com base em uma arquitetura de redes neurais chamada Transformer, desenvolvida na empresa desde 1997, o sistema usa inteligência artificial para atingir seu objetivo principal: conversar.  


Diferentemente de chatbots usados para operar celulares ou por empresas no atendimento a clientes, o LaMDA não segue apenas programações pré-estabelecidas, mas tem a capacidade de se adaptar a uma conversa com qualquer interlocutor, de modo que possa falar sobre virtualmente todos os assuntos. O sistema tem acesso, por exemplo, à toda informação indexada pelo Google, vídeos do YouTube e livros do Google Books. Mas isso não significa que use essa informação na totalidade, pois a ideia não fazer do LaMDA uma superenciclopédia, mas empregar a informação disponível de acordo com as questões do interlocutor e do próprio andamento da conversa. 

 

“Embora conversas tendem a girar em torno de tópicos específicos, sua natureza aberta implica poder começar em um lugar e terminar em outro completamente diferente. Um bate-papo com um amigo sobre um programa de TV pode evoluir para uma discussão sobre o país onde o programa foi filmado antes de se estabelecer em um debate sobre a melhor culinária regional do país. Essa qualidade sinuosa pode rapidamente prejudicar os agentes de conversação modernos (chatbots), que tendem a seguir caminhos estreitos e pré-definidos. Mas o LaMDA pode se envolver de maneira livre sobre um número aparentemente infinito de tópicos, uma capacidade que poderá levar ao desenvolvimento de maneiras mais naturais de interagir com a tecnologia e categorias inteiramente novas de aplicativos”, explicaram os vice-presidentes de Produto (Eli Collins) e Pesquisa (Zoubin Ghahramani) do Google. 

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Reprodução First Edition / Sky

Quem é Blake Lemoine?

 

Nascido em 1981 em uma família conservadora e cristã em uma área rural da Louisiana, Lemoine serviu no Exército dos Estados Unidos como mecânico em missão no Iraque, onde se recusou a obedecer ordens – segundo ele por preceitos religiosos – e foi preso por sete meses. É adepto do discordianismo, religião baseada na adoração de Éris (também conhecida como Discórdia), deusa greco-romana do caos. Foi ordenado “pastor cristão místico”. Politicamente, é republicano. 

 

Desligado do Exército, Lemoine frequentou a Universidade de Louisiana em Lafayette de 2006 a 2013, onde concluiu a graduação em Ciência e mestrado e doutorado em Ciência da Computação. Em 2015, ingressou no Google, onde trabalhou com sistemas de busca, algoritmos personalizados e inteligência artificial. Durante a pandemia de Covid-19, entrou no grupo de IA Responsável da empresa. 

Lemoine mantém um blog desde 2017 no site Medium, no qual escreve sobre temas diversos como tecnologia, religião ou racismoEm 6 de junho de 2022, publicou um texto sobre seu trabalho, no qual comentou que poderia ser demitido por causa de “uma investigação sobre preocupações éticas em inteligência artificial” que teria iniciado no Google. No mesmo dia, a empresa o afastou de suas funções, mantendo o salário e, menos de um mês depois, o demitiu. No mesmo 11 de junho em que saiu a reportagem no Washington Post, Lemoine publicou dois textos, o primeiro sobre “o que é o LaMDA e o que ele quer?” e, no segundo, uma “entrevista” com o LaMDA. 

 

“Hoje saiu uma história no Washington Post escrita por Nitasha Tiku. É um bom artigo, mas na minha opinião tem foco na pessoa errada. Acredito que teria sido melhor se tivesse sido focada em uma das outras pessoas que ela entrevistou: o LaMDA”, comentou no primeiro texto. Após ser demitido do Google, Lemoine tem se dedicado a abrir uma empresa para desenvolvimento de games e a falar sobre questões éticas relacionadas ao avanço em inteligência artificial. 

Texto e edição: Heitor Shimizu
Publicado em: 23/01/2023

Imagem feita por IA: DALL-E 2

Revista FCW Cultura Científica v. 1 n 1 janeiro - março 2023

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