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Chatbots e o ano da inteligência artificial

Entrevista

Fabio Cozman

Diretor do Center for Artificial Intelligence (C4AI) fala sobre o caráter multidisciplinar das pesquisa no centro e do momento de grande desenvolvimento da inteligência artificial no Brasil e no mundo

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Sobre

O Center for Artificial Intelligence (C4AI) é um dos principais centros de pesquisa em inteligência artificial na América Latina, com cerca de 250 pesquisadores e bolsistas. Com apoio da IBM e da Fapesp, o C4AI também estuda os impactos sociais e econômicos da IA e realiza atividades de disseminação de conhecimento e transferência de tecnologia. Estabelecido em 2020, o C4AI tem sede na Universidade de São Paulo (USP) e opera em parceria com ITA, PUC-SP e FEI. 

 

Diretor do C4AI, Fabio Gagliardi Cozman é professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Possui graduação em Engenharia Elétrica e mestrado em Engenharia pela USP e PhD pela Carnegie Mellon University. Foi coordenador da comissão de inteligência artificial da Sociedade Brasileira de Computação e editor associado do International Journal on Approximate Reasoning, do Artificial Intelligence Journal e do Journal of Artificial Intelligence Research. Realiza pesquisa principalmente em aprendizado de máquina e processos de decisão sob incerteza, incluindo representação de conhecimento e aprendizado. É um dos organizadores do livro Inteligência Artificial: Avanços e Tendências (IEA, 2021). 

FCW  Por que a inteligência artificial tem crescido tanto nos últimos anos? 

Fabio Cozman – A inteligência artificial não é uma área de estudos nova, o termo foi usado pela primeira vez em 1956. Durante muito tempo, a área foi parte realidade e parte desejo. Havia momentos de maior e de menor euforia e o desejo de fazer as coisas funcionarem. Há uns 15 anos, tivemos um momento de inflexão, onde muita coisa passou a funcionar principalmente por causa da maior coleta e acúmulo de dados, do avanço das redes, da maior conectividade e do maior poder computacional. Surgiram boas ideias de processamento. É surpreendente o quanto você consegue extrair dos dados. A partir do uso dos dados, é possível resolver problemas que exigem um grau razoavelmente alto de inteligência no nosso dia a dia. Há uns 10 anos, esse movimento de sucesso crescente passou a resolver problemas que a sociedade começou a notar. Já existiam sistemas computacionais que ajudavam a tomar decisões, mas a sociedade ainda não tinha visto um programa que conseguisse entender uma imagem ou que efetivamente respondesse perguntas. Existe uma teoria de Filosofia da Ciência, de Thomas Kuhn, que diz que a ciência progride às vezes de forma normal e às vezes com mudanças de paradigma. Tivemos uma mudança de paradigma há 10 anos e estamos vivendo o choque dessa mudança. 

 

FCW  Como tem caminhado a pesquisa em inteligência artificial no Brasil e no mundo?

Fabio Cozman – O Brasil tem uma comunidade de inteligência artificial bastante sólida há décadas. O país está entre o décimo e o décimo quinto produtores de artigos científicos na área. Os maiores são Estados Unidos e China, depois a Índia, uma série de potências europeias e o Brasil. Muitos países têm estratégias políticas para lidar com inteligência artificial. São países que resolveram criar regras e incentivos, como China, Estados Unidos e Reino Unido. Uma parte comum nessas estratégias é a criação de centros de excelência. Um exemplo é o Reino Unido, onde foi criado o Turing Institute. A França tem também um conjunto de centros. Nos Estados Unidos, o maior programa financiado pela National Science Foundation nos últimos anos envolve a criação de uma rede de centros de inteligência artificial. A China tem vários centros, muito grandes. É um movimento internacional. O mundo inteiro está procurando criar esses centros e o Brasil tem tentado acompanhar isso por meio de seus organismos e principalmente com a Fapesp. 

 

FCW  Como surgiu a ideia de instituir um centro de pesquisa em inteligência artificial no Brasil?

Fabio Cozman – Existem hoje sete centros em inteligência artificial financiados pela Fapesp. O nosso foi o primeiro, funcionando desde 2020. Começou com um esforço interno da USP para mapear seus grupos de inteligência artificial. Foi uma chamada lançada pela reitoria em 2018 que identificou mais de 110 grupos que lidavam com inteligência artificial e se disseram interessados e apresentar projetos. Depois houve o anúncio do edital da Fapesp para apoiar a instituição de um centro e concorremos. Organizamos um workshop em 2019, já tínhamos feito outro em 2017, e realizamos um projeto com suporte da reitoria em parceria com vários grupos da USP e de instituições externas – ITA, PUC-SP, FEI. Tivemos a felicidade de ser selecionados. O centro tem financiamento metade da Fapesp e metade da IBM e a USP financia o espaço e os profissionais. 

 

FCW  Quais são as principais atividades de pesquisa no C4AI? 

Fabio Cozman – O C4AI foi concebido como um centro voltado para tecnologias básicas de inteligência artificial, não é um centro como outros mais focados em áreas específicas. O C4AI é um centro multidisciplinar que tem como um de seus objetivos difundir a tecnologia, por isso temos um coordenador de difusão, que é o professor Fernando Osório, da USP de São Carlos. Temos um canal no YouTube bastante ativo, realizamos seminários e eventos periódicos, oferecemos cursos, cursos livres e online. Nosso objetivo é, em resumo, desenvolver tecnologias básicas em inteligência artificial, disseminar e transferir essas tecnologias e fomentar o debate a respeito delas. 

 

FCW  Onde o C4AI está instalado? 

Fabio Cozman – Contamos com um conjunto grande de professores e pesquisadores de várias instituições. Temos uma sede em São Paulo com cerca de 600 m2 onde, além de pesquisa, realizamos eventos e temos o pessoal administrativo. Há outros espaços em São Carlos, Piracicaba e Ribeirão Preto que serão reformados e preparados para uso. E temos outros espaços também. Há integrantes do C4AI que estão na EACH, na Medicina, na FEI, na PUC-SP e no ITA. Estamos bem distribuídos e trabalhando tanto presencialmente quanto em rede. 

 

FCW  Como é a infraestrutura do C4AI para lidar com a grande quantidade de dados que envolve hoje a pesquisa na área?

Fabio Cozman – Usamos a nuvem da USP para armazenamento de dados e temos quase R$ 1 milhão em servidores de porte razoável, que todos os profissionais do C4AI podem usar. Adquirimos recentemente um cluster Nvidia para processamento de maior peso. Apesar de não termos o mesmo parque de equipamentos de laboratórios que fazem, por exemplo, o ChatGPT, temos um bom poder computacional. Não tentamos competir em atividades que demandem poder computacional acima do que dispomos. E procuramos trabalhar na união entre dados, conhecimento e equacionamento matemático, para que nossos recursos tenham seu impacto maximizado. 

 

FCW  Não por coincidência, os temas mais urgentes e preocupantes na pesquisa em inteligência artificial integram as próprias divisões do C4AI. Poderia falar sobre o caráter multidisciplinar do centro?

Fabio Cozman – Algo bastante feliz no C4AI é o fato de ter sido criado em um espaço diferente das unidades da universidade. A sede principal está no prédio do InovaUSP, que é um espaço novo da USP voltado a atividades de inovação. Temos pessoas de todas as unidades, da engenharia e da computação, obviamente, mas também do direito, da economia, ciências sociais, oceanografia. Procuramos trabalhar com temas que tenham impacto, em que o Brasil possa de fato liderar, e que também despertem o interesse da nossa parceira, a IBM. O caráter multidisciplinar do C4AI está presente em nossos projetos de pesquisa. Um deles é o processamento de linguagem natural em português. Temos outro voltado a processamento de linguagem natural em línguas brasileiras que não o português. Há também uma iniciativa na área de saúde, para diagnóstico automático de doenças e reabilitação. Um outro projeto é voltado para o agronegócio, área fundamental para o país, liderado por colegas de São Carlos, São Paulo e Piracicaba, onde está a Esalq, uma das melhores escolas de agronomia do mundo. Temos pesquisa de previsão de variáveis oceânicas e outra linha que é o estudo da tecnologia de inteligência artificial, a observação de como a tecnologia é regulada e como impacta na sociedade. Essa linha está sendo conduzida pelo pessoal das Humanidades, com um grupo bastante forte da área que tem interesse em tecnologia. 

 

FCW  O avanço da inteligência artificial tem mudado a relação do ser humano com a tecnologia? 

Fabio Cozman – Acho que a inteligência artificial é um componente dessa mudança. As redes e as transformações digitais como um todo vieram para modificar nossa vida. Hoje, temos que lidar com fake news e com a facilidade de encontrar informações, o que traz vantagens e desvantagens. Nossa vida já é afetada pela inteligência artificial, que está presente nas mais diversas áreas e aplicações. Mas algo interessante trazido pela inteligência artificial nos últimos anos foi um maior questionamento sobre o que é inteligência. Uma das principais revelações recentes é que se coletarmos muitos dados e reproduzirmos os padrões que vemos nos dados, conseguimos parecer muito inteligentes. Não sei se isso é ser inteligente, mas parece ser. Essa revelação ocorreu nos últimos 10 anos e ainda precisa ser processada. Precisamos compreender o que significa essa inteligência que está sendo construída e como isso afeta a nossa visão do que é inteligência. 

 

FCW  As maiores empresas de tecnologia no mundo têm divisões de inteligência artificial com centenas de cientistas e muito do que desenvolvem não é divulgado. Os resultados das pesquisas deveriam ser abertos?
Fabio Cozman – Cada um tem uma estratégia diferente. Dependendo do negócio, a empresa pode ter dados sensíveis que não tem condições de abrir. Por exemplo, há empresas que trabalham na aplicação de inteligência artificial na saúde, algo que pode ser muito benéfico para a sociedade, com dados sigilosos que envolvem pacientes ou voluntários. É um assunto delicado, nem tudo pode ser aberto e isso é natural. O que acontece é que às vezes empresas têm estratégias um tanto agressivas de segurar resultados mas é uma questão de cada uma. No caso do C4AI, nosso parceiro é a IBM, que tem experiência em inovação aberta. Procuramos produzir ferramentas para serem colocadas à disposição da sociedade. Fizemos em 2021 o primeiro corpus português-inglês com perguntas e respostas, um corpus útil para fazer chatbots que respondem perguntas e ele foi colocado à disposição dos interessados de forma aberta. Nossa estratégia é contribuir com a comunidade de inteligência artificial para melhorar a sua capacitação no Brasil e com isso ajudar todo mundo. 

 

FCW  E quanto aos riscos e problemas do desenvolvimento e do uso dos sistemas de inteligência artificial? Precisamos de leis, regras e políticas para a área ou elas podem prejudicar o desenvolvimento científico na área?

Fabio Cozman – Toda tecnologia tem aspectos positivos e negativos. Da mesma forma que temos leis de trânsito – pois ninguém nega que o carro tenha suas vantagens, mas tem também riscos –, acho natural que a sociedade discuta muito e chegue a um consenso sobre o que precisa ser protegido. Alguns pontos são óbvios, por exemplo, é um consenso que as máquinas não podem tomar decisões que violem leis. Também é importante saber como responsabilizar e quem é o responsável pelo que uma máquina faz. Parece necessário haver uma ação legislativa, uma discussão aprofundada, mas há dificuldades também nessa discussão. Para começar, não é fácil definir o que é inteligência artificial. Depois, é difícil fazer uma lei que proteja as pessoas mas que também permita o desenvolvimento tecnológico. É preciso haver um balanço e proteger os direitos mas sem criar obstáculos à toa, senão você acaba impedindo o desenvolvimento benéfico para a sociedade. O que a comunidade de inteligência artificial deseja é ajudar a sociedade. De toda forma, é normal a preocupação do legislador. Acho importante a discussão do Marco Regulatório da Inteligência Artificial no Brasil. O projeto já passou na Câmara e está no Senado, mas acho que talvez não haja necessidade de pressa. É bom ver bem o que os outros países estão fazendo. A União Europeia, por exemplo, está há vários anos com um estudo sobre inteligência artificial e está longe de fechar a questão. É preciso identificar os problemas, discutir, verificar aquilo que já é coberto por outras leis, como o Código de Defesa do Consumidor ou a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). O esforço é bem-vindo mas é necessário ir com calma e com muita discussão. 

Entrevista e edição: Heitor Shimizu

Publicado em: 23/01/2023
Entrevista concedida em: 16/12/2022

Foto: IEA - USP

Revista FCW Cultura Científica v. 1 n 1 janeiro - março 2023

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